Filme do Dia: O Que Foi Que a Senhora Esqueceu? (1937), Yasujirô Ozu
O Que Foi Que a Senhora Esqueceu?
(Shukuju wa nani o Wasureta ka,
Japão, 1937). Direção: Yasujirô Ozu. Rot. Original: Akira Fushimi &
Yasujirô Ozu. Fotografia: Yûharu Atsuta & Hideo Shigehara. Música: Senji
Itô. Montagem: Kenkichi Hara. Cenografia: Tatsuo Hamada & Yoshiatsu Hino.
Figurinos: Taizô Saitô. Com: Tatsuo Saitô, Sumiko Kurishima, Michiko Kuwano,
Shûji Sano, Takeshi Sakamoto, Chôko Iida, Mitsuko Yoshikawa, Ken Uehara.
Komiya
(Saitô), bem sucedido professor e pesquisador na área médica, acolhe
temporariamente a sobrinha Setsuko (Kuwano). Ele – e principalmente sua mulher,
Tokiko (Kurishima), de postura rígida, impressionam-se em como a jovem é
independente, fazendo apenas o que deseja e influenciando o tio a visitarem uma
casa de gueixas, onde se embebedam, provocando forte tensão entre tia e
sobrinha. Um jovem assistente do professor, Okada (Sano), encontra-se interessado
por Setsuko. Após uma segunda farra juntos de tio e sobrinha Tokiko se sente
incomodada ao ponto de exigir a saída de Setsuko. O marido, de postura
habitualmente branda e influenciado por Setsuko estapeia a mulher. A tensão é
abrandada pelo pedido de desculpas da sobrinha e do marido e uma Tokiko mais
afetuosa emerge do conflito. Setsuko, de viagem marcada, conversa com Okada.
Tokiko prepara café com maior atenção ao marido.
Pouco
após Ozu finalmente abraçar o cinema sonoro, dois anos antes, essa produção
apresenta várias características associadas ao cineasta no plano visual e
igualmente na elaboração de um pequeno drama familiar de cunho minimalista com
toques de humor. Com relação ao primeiro, já se encontra presente o uso moderno
de uma montagem seca, que dispensa fusões, sobreposições e outros cacoetes
então habitualmente associados as transições de sequencias. Enquanto ao segundo
existe uma evocação sutil e distante dos excessos melodramáticos de que traços
vinculados à ocidentalização do Japão podem ser, em última instância, benéficos.
Se o conflito emerge de uma garota que se espelha em tipos célebres do cinema
como Marlene Dietrich – observando um retrato da atriz alemã em um jornal a
determinado momento e empostando uma sensualidade igualmente algo andrógina,
fumando, bebendo e frequentado ambientes tradicionalmente masculinos – é
através dele que se apresenta uma saída para a atual letargia na vida conjugal
do casal. Assim, as pitadas de modernidade apenas servem para reforçar os laços
tradicionais, com Komiya (vivido por um predecessor de Chishu Ryu, que
encarnará tipos semelhantes posteriormente na extensa filmografia do
realizador) alertando Setsuko que as mulheres são como crianças, a quem se deve
mimar mais que usar de vigor físico, em um calculado paternalismo retraído
utilizado como instrumento para a permanência da união. O recado parece fazer
efeito quase imediato em Setsuko, que surge menos arrogante no encontro com
Okada antes de sua partida. As sutilezas de Ozu apontam para o início de uma
relação entre os jovens mas, de modo inteligente, não vão além disso, sugerindo
que Setsuko virá com mais frequência de Osaka para Tóquio, algo que todo os
três mais diretamente envolvidos (marido, esposa e Okada) agradecem, cada um a
seu modo. Ao final, a referência discreta ao café antes de dormir, por sua vez,
sugere a retomada de uma vida amorosa abatida pelo convívio dos anos,
referência que nada deve às “comédias sofisticadas” hollywoodianas de então. De
forma quase caricata, observa-se tal ocidentalização na limusine dirigida por
uma das clientes ricas de Tokiko, que usa um casaco de peles igualmente
extravagante e – para além da dimensão propriamente narrativa – com o próprio
Ozu co-assinando o roteiro como James Maki. Shôchiku Eiga. 71 minutos.
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