Filme do Dia: Meu Jantar com André (1981), Louis Malle
Meu Jantar com André ( My Dinner with André, EUA, 1981). Direção: Louis Malle. Rot. Original: André Gregory & Wallace Shawn. Fotografia: Jeri Sopanen. Música: Allen Shawn. Montagem: Suzanne Baron. Dir. de
arte: David Mitchell & Stephen McCabe. Com: André Gregory, Wallace
Shawn, Jean Lenauer.
Wallace Shawn (Shawn), teatrológo e
ator nova-iorquino se encontra inquieto após receber um convite de um velho
conhecido seu, o dramaturgo André Gregory (Gregory), após anos desaparecido da
cidade. Ansioso, Shawn chega adiantado e fica esperando por Gregory, enquanto
arma estratégias para disfarçar seu nervosismo, como a de fazer infinitas
perguntas ao seu futuro interlocutor. Já sentados, em um ambiente
excessivamente sofisticado para os que Shawn habitualmente frequenta, esse se
interroga sobre o que são os pratos, enquanto Gregory faz sua escolha. Shawn
incita Gregory a falar sobre o seu período de desaparecimento, e esse lhe
conta, com todos os detalhes, sobre suas aventuras em uma floresta polonesa,
onde conseguiu voltar a sentir emoções verdadeiras, o que ele acredita ser cada
vez mais distante do mundo que vivenciam. Shawn, inicialmente concorda,
relembrando a necessidade de se esconder a tudo custo as emoções nas festas em
que vai com sua companheira, muitas vezes se utilizando de fatos sórdidos sobre
personalidades. Porém a partir do momento que Gregory se entusiasma, e passa a
falar sobre a verdadeira impossibilidade de compreensão do outro, apenas o
vendo como uma superfície indistinta em meio a uma vida voltada para a
construção de uma carreira profissional, Shawn passa a questionar a necessidade
de se ter que viajar até a Polônia ou ao Everest para voltar a ter que se
sentir como humano, ou ainda a necessidade de se criarem verdadeiras ilhas de
sobrevivência da cultura em nós mesmos, como resistência à barbárie cultural e
humana contemporânea. Shawn acredita que se pode desenvolver esse sentido no
seu próprio dia-a-dia em Nova York. E afirma, no final, já um tanto cansado das
concepções apocalípticas de Gregory, que no momento se encontra concentrado em
ter como ganhar a vida. A caminho de casa, dando-se ao luxo de tomar um táxi,
ele relembra como todas as ruas lhe
evocam momentos de sua vida e comenta com sua companheira sobre sua conversa
com André.
Lidando com uma mescla
entre ficcional e não-ficcional, com roteiro escrito pelos próprios atores – e
que, provavelmente, referem-se a preocupações e fatos que são os seus próprios
– Malle realizou um filme que se aproxima de uma certa tendência do cinema
autoral recente, explicitada em filmes como Aprile (1998) de Moretti ou A Maçã (1998) de Samira Makhmalbaf, mesmo que aqui a mescla entre os
elementos ficcionais e não-ficcionais ocorra de modo diverso dos outros filmes.
Embora Malle trabalhe com um tempo diegético idêntico ou muito próximo do tempo
real em que ocorreria o jantar descrito, sua compressão espaço-temporal ainda
assim deixa de fora a presença do instrumental de filmagem (embora o mesmo seja
verdade também no que diz respeito aos outros), da confecção de um roteiro,
trilha sonora, da concepção de montagem e de outros elementos que o aproximam
de uma dramaturgia mais ortodoxa que a presente no filme italiano e,
principalmente, iraniano. Sua “ilusão de realidade” talvez seja a mais
perfeita entre os três filmes e, portanto, a que mais também se distancia do
improviso e do documental. De todo modo, o filme consegue, apoiado basicamente nos diálogos e no rigoroso
trabalho de composição psicológica dos atores –
onde um tímido e quase que exclusivamente ouvinte Shawn dá lugar a um
quase apaixonado interlocutor, a partir
do momento que se encontra mais relaxado – superar os limites que a excessiva
pretensão do discurso falado muitas vezes impõe, não só fixando nossa atenção
como sendo, em vários momentos, instigante. Malle voltaria a explorar a
potencialidade do diálogo em contraste com uma quase ausência de movimento em
seu último filme, Tio Vanya em Nova York (1994). Troma Films/ Saga Productions/
The Andre Company. 111 minutos.
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