Filme do Dia: Turksib (1929), Victor A. Turin
Turksib (URSS, 1929). Direção:
Victor A. Turin. Rot. Original: Yakov Aron & Victor Shklovski. Fotografia: Boris Frantsisson & Yevgeni Slavinski.
Esse
documentário, mesmo que possua pontos tangenciais em comum com Nanook, o Esquimó(1922), como o flagrante do contato de povos
“primitivos” com maravilhas tecnológicas, aqui ainda mais enfatizado do que no filme
de Flaherty, e o gosto pela encenação e reconstituição, na verdade segue uma estratégia
diametralmente oposta. Enquanto o filme do realizador canadense busca criar
estratégias próximas das ficcionais e um senso de identificação com seu
protagonista, o objetivo aqui é apresentar um obstáculo, apresentar uma
estratégia para driblar esse obstáculo, edificá-lo e pô-lo em prática. O
obstáculo é a inexistência de transportes que favoreçam o comércio entre o
Turquistão e a Sibéria. A estratégia é o planejamento para a construção de uma
ferrovia e posteriormente como será edificada. Por fim, a sua utilização. E é
justamente o roteiro que o filme segue, mesmo que possa descuidar mais de
alguns momentos que de outros – a ênfase maior, e aqui se um encontra um vínculo
talvez não tão remoto com a estrutura dramática do filme ficcional, é
certamente com a consecução da obra, que bem poderia ser o equivalente ao
conflito dramático que ocupa a maior parte do tempo do filme de ficção
clássico. Porém acaba de fato não o sendo, pois se existe algo mais próximo
disso aqui se encontra justamente no prólogo, que apresenta todas as
vicissitudes dos agricultores de transportarem o algodão através de um sistema
de locomoção rudimentar baseado em camelos e tendo que enfrentar tempestades de
areia fenomenais na cena talvez mais evocativa do clássico de Flaherty -
evocativa mais pela situação retratada do que em termos formais, pois aqui
evidentemente ela é construída através de planos brevíssimos e não de uma
identificação espacial mais precisa, mesmo que ilusória, como naquele. Para
quem não sabe que o título representa justamente a referida ferrovia, não deixa
de ser um elemento-surpresa o momento em que a narrativa se desloca dos
sofridos camponeses para o processo de elaboração da ferrovia. E esse momento,
que residiria o potencial dramático do filme, é aqui completamente amortizado
pelo tratamento fortemente ideológico com que tudo é estruturado. Os
entretítulos, evidentemente, assim como a música, são aliados poderosos na suavização
de qualquer conflito, como na seqüência na qual todos os ânimos temerosos da
comunidade camponesa itinerante se vê ameaçada com a chegada de um automóvel
trazendo técnicos que irão trabalhar no planejamento da futura estrada. Nos
entretítulos, um breve e paternalista tratamento de “camaradas” já faz com que
todos os ânimos se transformem e eles sejam acolhidos como verdadeiros heróis
revolucionários. A forma que a montagem se articula demonstra que todo o
esforço empreendido é feito com muito suor mas em meio a maior alegria pois
evidentemente faz parte do esforço do surgimento não apenas de uma nova nação,
mas de uma nova humanidade – sendo sua idealização, nesse sentido, não muito
distante dos filmes de propaganda realizados pela chamada Escola Documental
Britânica na década seguinte tais como Night
Mail. Há sem dúvida uma exaltação da tecnologia e a modernidade que é bem
típica da época (mesmo Flaherty a demonstrou em The Twenty-Four-Dollar Island) e que talvez tenha como imagem mais
marcante curiosamente não a locomotiva mas uma retroescavadeira que chega a
ganhar uma dimensão mesmo antropomórfica. Em outro momento se constata não
apenas meios de comunicação mais símbolos de dois mundos e duas temporalidades,
presente e passado, um ao lado do outro,
quando um camelo se aproxima dos trilhos. Destaque para a cena na qual a
montagem acelerada faz tornar mais vibrante a primeira viagem da locomotiva
escoltada de perto pelos camponeses montados em seus camelos. O filme é sem dúvida belo em suas imagens e
na forma como as estrutura, bastante semelhante a muitas produções ficcionais
produzidas à época no país, mas ao seu final cíclico soa mais próximo da peça
de propaganda do que do brilhantismo estético que impregna um filme como O Homem com a Câmera ou da sensação de
que se conheceu de fato um pouco da realidade observada como em Flaherty.
Vostokkino. 57 minutos.
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