Filme do Dia: Kenji Mizoguchi - The Life of a Film Director (1975), Kaneto Shindô
Kenji Mizoguchi – The Life of a Film Director (Aro Eiga- Kantoku no Shogai, Japão,
1975). Direção e Rot. Original: Kaneto Shindô.
Parte das instalações hospitalares
em Kyoto nas quais Mizoguchi morreu, em 1954 para, imediatamente após,
acercar-se da região onde nasceu. Shindô não se prende exclusivamente ao seu
retrato, deixando seus depoentes trilharem outros caminhos, quando assim o
desejam, como é o caso do cinegrafista veterano Gengo Obora, que não se furta
em descrever os precários métodos de filmagem a céu aberto ou quando um
cinegrafista ia realizar uma panorâmica e ao mesmo tempo não parava de girar a
manivela pois as câmeras ainda não era motorizadas sendo os cinegrafistas
também responsáveis pela revelação dos filmes – tudo isso antes de Mizoguchi
entrar na indústria. Mesmo que lide com um documentário no sentido convencional
do termo, com entrevistas de estudiosos e colaboradores do realizador
entremeadas por imagens de apoio, sobram alguns momentos de maior criatividade.
Como quando a câmera passeia pelos
estreitos becos onde foi realizado As
Irmãs de Gion, ainda bastante similares à época em que o filme foi
produzido e escutamos os últimos diálogos do filme provocando efeito com sua
mescla entre ficção e realidade, passado e presente. Porém, de longe menos ortodoxo foi abolir o
depoimento de uma atriz em termos de áudio mas não sua imagem, enquanto se ouve
outro depoente falando sobre o mesmo episódio que envolveu a demissão da que
seria a atriz principal em A Imperatriz
Yang Kwei Fei, Takako Irie. O
momento em que Shindô decidiu realizar seu documentário foi propício pois boa
parte dos colaboradores e conterrâneos de Mizoguchi já vivenciavam a
velhice: os diretores Daisuke Itô (Jiroikichi, the Rat) e Yasuzô Masumura;
os atores Eiji Nakano, que trabalhava com ele quando ocorreu o célebre
esfaqueamento do cineasta por sua amante e que dividiu morada com ele e relata
que quando um recebia visitas íntimas o outro saía, Ganjirô Nakamura e Eitarô Ozawa; as atrizes Kumeko Urabe, Takako Irie (A Feiticeira das Àguas), Isuzu Yamada
(que já havia trabalhado com ele em outras realizações, mas considera Elegia de Osaka o seu melhor filme e o
filme através do qual decidiu de fato abraçar a carreira de atriz), Fumiko Yamaji, Kakuko Mori, que não realizou
mais que 4 filmes, tendo um romance seu adaptado por Shindô nos anos 50 e que
relembra que foi ensinada por seu parceiro em cena como se cortava e tirava
sementes de melancia na Era Meiji (cena anteriormente observada no
documentário), Kinuyo Tanaka, Michiyo Kogure, que afirma que as mudanças nas
falas durante as filmagens se deviam a ele acreditar que não soavam naturais na
boca dos personagens, Nobuko Otowa, que futuramente casará com Shindô, que se
refere à fama que Mizoguchi de sequer usar o banheiro durante as filmagens,
aliviando-se em um urinol sob formato de garrafa, apresentado posteriormente,
Machiko Kyo e Ayako Wakao; os roteiristas Yoshikata Yoda (que trabalhou pela
primeira vez com o realizador em Elegia
de Osaka, e em praticamente todos os filmes posteriores do realizador e que
revela que nada sabia sobre o universo do teatro kabuki quando fez Crisântemos Tardios e que embora os
exames negassem, Mizoguchi se sentia responsável pelo adoecimento da esposa,
que passou a ter problemas mentais) e Matsutara Kawaguchi, de quem apenas
ouvimos em áudio a interessante declaração de que Mizoguchi era como um homem
com a mentalidade da era Meiji, sendo bastante consciente das questões de
status e classe e ficando bastante satisfeito quando era reconhecido além do
próprio meio, sendo que seu discurso é sobreposto a uma imagem do realizador
com indisfarçado orgulho de fraque e cartola, provavelmente quando recebeu o
prêmio do Ministério da Educação ao qual Kawaguchi cita em seu depoimento; o
desenhista de produção Hiroshi Mizutani (que afirma que ele os tratava como
iguais) e o cenógrafo Masaru Arakawa (que ressalta seu perfeccionismo); o
crítico de cinema Hideo Tsumura, que recorda uma mesa-redonda que participou
com ninguém menos que Ozu, Mizoguchi e Hiroshi Shizumi, logo após o lançamento
de Os Irmãos da Família Toda (1941),
do primeiro; o diretor de fotografia Kazuo Miyagawa. Mesmo sendo enquadrado nos
momentos da entrevista e se ouvindo seus comentários e perguntas, a estratégia
do realizador foi a do retraimento de si próprio, ao não explicitar as origens
do projeto, sua própria admiração por Mizoguchi e também o fato de ter
trabalhado com o mesmo, assim como com muitos de seus colaboradores. Ao se
centrar nos depoimentos as imagens dos filmes surgem de forma bastante marginal e
não se opta por uma análise das mesmas, sendo muitas vezes presentes apenas
stills, servindo muitas vezes somente como ilustração. Destaque para os stills
da viagem de Mizoguchi a Europa. E também para o momento em que, fugindo do tom
sempre centrado no profissionalismo do realizador, Shindô afirma não apenas sua
proximidade com ele como sua crença de que fora apaixonado por Kinuyo Tanaka
para a própria ao que a atriz retruca elegantemente que foram casados na tela,
aludidndo a uma sublimação que se refletia no trabalho e aos tipos que Tanaka
encarnava. Tanaka aproveita para
asseverar que ele não era uma pessoa fácil de se ter por perto e que o estilo
de vida dele não lhe interessava. Uma breve nota dissonante nesse documentário
é o uso da música com pretensões de
sentimentalidade ao final, quando embora mesmo algo emocionados os depoentes
nunca cheguem as lágrimas e se o fizeram a edição se encarregou de limá-los, o
que não parece provável dado alguns zoons de aproximação dos rostos em momentos
de maior tensão no relato. Kindai Eiga Kyokai. 150 minutos.
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