Filme do Dia: Na Captura dos Friedmans (2003), Andrew Jarecki
Na Captura dos
Friedmans (Capturing the Friedmans,
EUA, 2003). Direção: Andrew Jarecki. Fotografia: Adolfo Doring. Música: Andrea
Morricone. Montagem: Richard Hankin. Dir. de arte: Nava Lubelski.
Em 1988, um conceituado físico
norte-americano, Arnold Friedman, se torna alvo de denúncias de abuso sexual
por parte de alunos de um curso de informática do qual era professor, após a
Polícia ter encontrado em sua casa revistas de pedofilia. A grande virtude do
documentário de Jarecki é o de expressar o poder das imagens e sua capacidade
de estimular julgamentos precipitados não através de um discurso convencional
que explicite oralmente tal fato, mas em sua própria estrutura. Inicialmente,
somos levados pelas evidências de policiais, imprensa e depoimentos de
ex-alunos do curso a acreditar que Friedman realmente praticava orgias absurdas
e coletivas em sua casa, com a colaboração do filho Jesse. Posteriormente, o
que parece seguro se esvanece no ar, quando a jornalista investigativa Debbie
Nathan, simplesmente se surpreende com o fato de ninguém ter atentado para que nenhum dos jovens, até o início da investigação policial, terem
relatado nada aos seus pais ou terem apresentado sequelas físicas dos abusos,
assim como a Polícia ter iniciado sua linha investigativa sem contar com exames
de corpo delito das supostas vítimas. De criminoso Friedman temporariamente se
transforma em mais uma vítima da imprensa. Porém, num terceiro momento o filme
contrabalança sua presumida inocência no caso das aulas particulares com a
declaração do próprio Friedman de que praticara abuso sexual com duas crianças,
além de enviar uma longa carta para Debbie Nathan, no qual apresenta uma
juventude atormentada por um sentimento homossexual frustrado em relações
ocasionais. Condenado e preso, Arnold suicida-se na prisão, beneficiando o
filho que também foi preso, em um julgamento posterior, com uma apólice de
250.000 dólares. Todas as três etapas são acompanhadas por um farto material,
em sua maior parte propiciado pelos vídeos e áudios domésticos gravados pelos
próprios filhos de Arnold, e, igualmente, por filmagens em super-8 da família,
quando os filhos ainda eram crianças. Os filhos ficam mais próximos do pai que
da mãe, Elaine, por acreditarem que ela não apoiou o suficiente o marido.
Elaine rebate afirmando que a hostilidade dos filhos contra ela provinha de um
vínculo de brincadeiras e amizade bastante peculiares que uniam os filhos com o
pai e a afastavam de qualquer possibilidade de interação no grupo. Não menos
destacada em sua estrutura, numa época em que muitos filmes de ficção são
influenciados pelo gênero documental, é sua explícita incorporação de uma
estrutura ficcional para trabalhar com um material por vezes extremamente
pessoal (tal e qual 33, de Kiko
Goifman), transformando um drama real em um verdadeiro melodrama familiar
(acentuado pela apresentação dos personagens no início ou do resumo final da
situação na qual se encontram à época da produção do filme, tipicamente nos
moldes do cinema de ficção). A diversidade de percepções sobre o acontecido por
parte dos membros individuais da família, imprensa, polícia e pessoas próximas
faz com que, mesmo se tendo uma versão final aproximadamente correta (Arnold
era um pedófilo, mas inocente da acusação de abuso dos estudantes), nunca se
chegue ao mesmo sentido, quanto às muitas particularidades do caso. Um dos
momentos mais evidentes quanto a isso é a acusação posterior de Jesse de que
fora vítima do próprio pai quando criança, no qual a montagem alternada
contrapõe sua fala afirmando que fora uma mera estratégia de seu advogado,
Peter Panaro, enquanto Panaro afirma que o próprio Jesse, muito emocionado, lhe
confessara tudo. Independentemente de seus méritos, o filme apresenta também
uma grande dose de narcisismo por parte dos membros da família, que chegam a
apresentar muitas cenas íntimas de seus próprios momentos difíceis, num grau de
exposição dificilmente crível – nesse sentido, novamente próximo do filme de
Goifman - para pessoas que durante tanto tempo foram vítimas dos próprios
holofotes da imprensa. HBO Documentary/Notorious Pictures. 107 minutos.
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