The Film Handbook#48: Robert Flaherty

Robert Flaherty
Nascimento: 16/02/1884, Iron Mountain, Michigan, EUA
Morte: 23/07/1951, Black Mountain, Vermont, EUA
Carreira (como diretor): 1913-48

É compreensivelmente lugar-comum considerar Robert John Flaherty como o pai do documentário; de fato, foi o segundo filme de Flaherty que levou Grierson a cunhar o próprio termo. Ainda que a palavra seja frequentemente utilizada para denotar um registro fílmico objetivo da realidade histórica, a obra de Flaherty apresenta mais frequentemente a visão subjetiva de um artista poético trabalhando, em certa medida, com ficção.

Filho de um mineiro que se tornou garimpeiro, Flaherty levou diversos anos explorando regiões desertas do Canadá, onde desenvolveu um fascínio pelos rituais cotidianos da vida esquimó. Tão cedo quanto 1913 ele filmou suas primeiras sequencias dos esquimós, a maior parte das quais foi destruída em um incêndio na sala de montagem. Perseverante, ele retornou diversos anos após, financiado pela companhia de peles Revillon e equipado com câmeras mais sofisticadas para realizar Nanook, o Esquimó/Nanook of the North>1.

Ao recriar as atribulações vividas por Nanook e sua família em sua busca por comida e abrigo nas vastidões árticas, Flaherty frequentemente resolvia ser necessário modificar a realidade. Inevitavelmente, isso se deu devido à eternamente problemática relação entre o documentarista e seu objeto: como pode o comportamento humano não ser afetado pelo olhar da câmera? De todo modo, desejando dramatizar o conflito do Homem com a Natureza, o diretor também caiu na cilada de transformar Nanook em um Nobre Selvagem. O esquimó foi solicitado a vestir roupas "mais autênticas" ou adotar formas mais pitorescas de caçar focas para ir de encontro a concepção de verdade de Flaherty.

Graças, entretanto, ao sorriso charmoso de Nanook e a  fotografia maravilhosamente penetrante do próprio Flaherty, o filme foi um enorme sucesso. O resultado foi que a Paramount o encarregou de uma visita aos Mares do Sul para realizar outro Nanook. Ainda que prejudicado pelo romantismo exuberante, que observava Samoa como um paraíso em vias de extinção, Moana>2, foi uma narrativa liricamente bela da iniciação de um jovem polinésio na vida adulta, estabelecendo seu realizador aos olhos de Hollywood como um especialista em temas exóticos. Envolveu-se em diversos projetos abortados (incluindo Deus Branco/White Shadows in the South Seas da MGM e sua colaboração com Murnau em Tabu) antes de viajar à Inglaterra, no início dos anos 30, para realizar documentários com Grierson, dos quais o mais notável foi O Homem de Aran/Man of Aran>3. Uma deliberadamente épica visão do esforço de um punhado de famílias de ilhéus para sobreviver  ao clima e mares inclementes do Atlântico Norte, sofreu das mesmas falhas de Nanook, com os ilhéus sendo direcionados a pescarem tubarões-frades em mares agitados - uma forma de pesca que, de fato, não praticavam a cerca de meio século. Novamente, as duradouras virtudes do filme foram pictóricas e emocionais mais que antropológicas, e o politicamente orientado Grierson ficou bastante insatisfeito com o completo descaso de Flaherty pelas realidades econômicas.

Talvez não seja surpreendente que muito de sua obra posterior ainda se encontre mais próxima do limite da ficção. Para Alexander Korda, ele supervisionou as cenas externas de O Menino e o Elefante/Elephant Boy, enquanto o  irmão do produtor, Zoltan, dirigiu as sequencias mais narrativas internas. Se The Land>4 foi uma tentativa de lidar com um tema mais contemporâneo, sua análise dos muitos prolemas enfrentados pelos fazendeiros migrantes americanos foi tão resolutamente apolítico quanto antes. Por fim, A História de Louisiana/Louisianna Story>5, financiado pela Standard Oil, apresentava pessoas reais atuando em uma história ficcional, construída em parte para mostrar a qualidade de vida na beleza das margens ribeirinhas, em parte para celebrar a habilidade do Homem de compreender a chegada das torres de petróleo (descritas surpreendentemente como benignas) com grandeza. Mais uma vez, embora extraordinário visualmente, em termos de seu tema pareceu derivar tanto dos anseios interiores de Flaherty quanto dos fatos do mundo exterior.

Sejam quais forem as desvantagens de sua abordagem subjetivamente e grandemente manipulativa, a importância de Flaherty como um inovador não pode ser desprezada.Se é impossível confiar plenamente em sua observação de culturas nunca antes vistas no cinema, e difícil não se comover com sua visão ingenuamente idealista e consumado dom artístico.

Cronologia
Mesmo que a influência de Flaherty seja grande, muitos (de forma mais incisiva Grierson e outros documentaristas britânicos tais como Harry Watt) rejeitaram sua postura apolítica, assim como os defensores do  cinema verdade e do cinema direto se voltaram contra a manipulação dos fatos tendo em vista narrar uma história dramática. Dadas as suas realizações, pode-se compará-lo vagamente com Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack (realizadores de Grass, Chang e King Kong), enquanto seu correspondente moderno poderia ser Herzog, cujos filmes frequentemente funcionam como registros de sua própria feitura.

Destaques
1. Nanook, Canadá, 1922

2. Moana, EUA, 1926

3. O Homem de Aran, Reino Unido, 1934

4. The Land, EUA, 1947


Texto: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres: Longman, pp. 102-3.

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