Filme do Dia: O Judeu Süss (1940), Veit Harlan


O Judeu Süss (Jud Süss, Alemanha, 1940). Direção: Veit Harlan. Rot. Adaptado: Veit Harlan, Ludwig Metzger & Eberhard Wolfgang Moeller, baseado no romance de J.R. George e no conto de Wihelm Hauff. Fotografia: Bruno Mondi. Música: Wolfgang Zeller. Montagem: Wolfgang Schleif & Friedrich Karl Von Puttkamer. Dir. de arte: Otto Kunte & Karl Vollbrecht. Figurinos: Ludwig Hornsteiner. Com: Ferdinand Marian, Werner Krauss, Heinrich George, Kristina Söderbaum, Eugen Klöpfer, Hilde Von Stolz, Malte Jäger, Albert Florath.
1830. Joseph Süss (Marian), rico negociante judeu de jóias, torna-se gradativamente influente na corte de Karl Alexander (George), o Duque de Württenberg. O crescente endividamento do Duque com Joseph tem como pretensão final que ele se torne, em grande parte, marionete nas mãos do mesmo. Suas decisões antipáticas à comunidade local, como a recepção de judeus exilados ou a cobrança de pedágios exorbitantes provocam revolta na população. Enquanto dois de seus líderes, Sturm (Klöpfer) e Fäber (Jäger), pai e marido de Dorothea (Söderbaum) respectivamente, são presos, sendo Fäber torturado, enquanto representantes da revolta civil que emerge dentro o povo, Dorothea, motivo de atração animal de Joseph, suicida-se após ter sido estuprada por ele. A descoberta de seu cadáver gera o último lance para uma rebelião completa. Enquanto Alexander é ferido a bala, vindo a morrer repentinamente em meio a uma discussão com o Conselho que havia sido desqualificado, o Conselho toma temporariamente o poder e decide, a partir das própias “leis divinas”, enforcar Joseph em uma cerimônia pública, assistida por Fäber.
Inescrupulosa peça de propaganda antissemítica nazista que procura capitalizar em cima da relação romanesca-dramática associada à ideológica assim como na evidente analogia entre a época em que a narrativa transcorre e um século após, quando o filme foi produzido. O antissemitismo já surge antes mesmo que qualquer ação inescrupulosa de Süss, referendando o seu tratamento apenas como “judeu”, descaracterizada qualquer possibilidade de vislumbre de personalidade própria dissociada de sua origem étnica. Longe de qualquer sutileza se encontra a associação do Mal com a figura do judeu e ela se dá através de mecanismos bastante similares aos dos filmes de gênero hollywoodiano – a revolta popular e corrida maciça das pessoas até a residência de Joseph mais parece uma transposição das habituais cenas dos filmes de terror da Universal. A identificação com a “inocência desprotegida” evidentemente ganha o rosto de Söderbaum, atriz que mais que qualquer outra, encarnaria o mito nazista da heroína, sempre morrendo em prol, mesmo que involuntariamente como aqui, de sua pátria (evocado em tom cômico no documentário O Mito da Eterna Beleza); toda a rebelião somente se dá, em última instância, a partir de sua morte. Harlan tenta a todo momento encontrar motivações que se casem com a lógica dos sentimentos individuais, nobres e puros no caso do casal Dorothea-Fäber, pérfidos e interesseiros no caso de Joseph, mas sua saída é um tanto kitsch e mesmo pueril quando comparada a filmes de propaganda como os documentários britânicos ou a estética realista contemporânea italiana de De Robertis (Uomini sul Fondo) e Rossellini (La NaveBianca). O monarca, no caso, serve como mero “hospedeiro” para que todos os vícios e corrupções de Joseph e quando percebe tudo, já se encontra completamente atolado num lodaçal do qual não mais pode se retirar. Ainda que a referência imediata aqui seja para com o capitalismo liberal  e  sua  relação promíscua com o dinheiro corrompido dos magnatas judeus, ela poderia valer igualmente para o próprio governo de Hitler, sabidamente dependente da mesma relação ambígua de falsa camaradagem apoiada sob a  opressão e suborno do judeu pelo monarca, que pode a qualquer momento se desvincular da mesma, como de fato faria Hitler, mas não o Duque. A leitura a contrapelo do filme pode torná-lo deveras mais interessante, pois a figura de Joseph é de longe a mais interessante e quem, de fato, motiva toda a ação, sendo o casal enamorado chato em seu romantismo puritano que não chega a consumar o casamento após o mesmo, tornando-se  involuntariamente evidente o jogo de atração e repulsa diante do sexo que ocorre no momento do estupro por parte da virginal Dorothea. Ao contrário de O Nascimento de uma Nação (1914), de Griffith, de fato, a heroína aqui somente se suicida após a concretização do ato e não para escapar do mesmo. Até o final da primeira década do século seguinte se tornará um filme não divulgado comercialmente na Alemanha desde a queda do Nazismo. Há uma versão anterior, de 1934, dirigida por Lothar Mendes. Terra-Filmkunst para Terra-Filmverleih. 98 minutos.


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