Filme do Dia: Dr. Gogol - O Médico Louco (1935), Karl Freund

Dr. Gogol – O Médico Louco (Mad Love, EUA, 1935). Direção: Karl Freund. Rot. Adaptado: Guy Endore, P.J. Wolfson & John L. Balderston. Fotografia: Chester A. Lyons & Greg Tolland. Música: Dimitri Tiomkin. Montagem: Hugh Wynn. Dir. de arte: Cedric Gibbons. Com: Peter Lorre, Frances Drake, Colin Clive, Ted Healy, Sarah Haden, Edward Brophy, Henry Kolker, Keye Luke.
Yvonne Orlac (Drake) sugere a intervenção do excêntrico médico Gogol (Lorre) para salvar as mãos do marido pianista após acidente de trem, porém o máximo que Gogol consegue é fazer o enxerto das mãos de um famoso criminoso morto. A partir de então o pianista, Stephen (Clive) não mais confiará no seu próprio talento e se acreditará possuído por uma intensa vontade de esfaquear objetos e pessoas que possui certeza que estão relacionadas com as mãos implantadas após saber sua origem. Gogol tentará fazê-lo ter certeza que ele foi o assassino de seu próprio pai, porém Yvonne perigosamente descobrirá tudo. Ela é aprisonada por Gogol em sua mansão, enquanto a polícia e Stephen para lá se dirigem.
O que mais chama a atenção no filme, para além da soberba interpretação de Lorre e de seu descaso ainda maior por tentar ser verossímil do que na adaptação alemã da década anterior, é o quanto o seu ajuste para padrões imagéticos realistas e do filme de gênero mina por completo com qualquer pretensão de expor o drama existencial de seu protagonista. Porém se mesmo em As Mãos de Orlac (1924), de Wiene, o aspecto mais lírico do filme era parcialmente prejudicado por uma interpretação talvez demasiado excessiva de Veidt, ainda havia toda a força do cenário e da iluminação expressionistas a sugerir uma atmosfera de subjetividade atormentada que aqui, redirecionada para funções bem práticas atreladas ao universo do gênero se tornam decepcionantes. Nessa reviravolta, praticamente desloca-se o foco do personagem de Orlac e se perde de vez qualquer dimensão de explorar a subjetividade atormentada na linha dos duplos tão comuns no cinema alemão e até mesmo americano (O Médico e o Monstro, de quatro anos antes) para a tormenta maior, e evidentemente mais facilmente reconhecível como clichê, de um gênio louco que não consegue se fazer amado por seu objeto de desejo. Compare-se a seqüência da visita ao pai (aqui padrasto e no filme alemão se trata da visita de Yvonne) e se terá uma idéia de quão diversas foram as opções narrativas e estilísticas de ambos os filmes. No filme alemão essa, que é uma das melhores seqüências, senão a melhor, apresenta todo um clima de estranhamento e de ausência de possibilidade de diálogo entre universos aparentemente inconciliáveis. Aqui, surge como uma banal discussão em uma loja de antiguidades – o que há de sombrio, em termos de ambiente é direcionado para a mansão de Gogol. Do mesmo modo a seqüência dos credores, resolvida de forma visualmente encantadora em seu desprezo pelo realismo no filme germânico aqui surge como um exercício de vulgares sobreimpressões de uma Yvonne atormentada pelas contas. Aliás a própria Drake, que vive Yvonne, contrastada com um Lorre magnífico, em sua primeira experiência no cinema norte-americano (e que com sua careca e cercado por uma cacatua seria evidentemente reciclado por Welles na representação da decadência e velhice do protagonista de Cidadão Kane) é uma atriz que apenas reproduz os esgares, gritos e caras de terror das heroínas dos filmes da época, sendo o maior símbolo do descompasso entre as pretensões e o filme tal como posto. Deve-se relativizar o inteligente senso lacunar de não se preocupar com as motivações realistas – aqui Orlac passa a agir impulsivamente antes mesmo de saber de quem fora as mãos que herdara (a determinado momento, num belo plano, o estranhamento com suas próprias mãos é referido visualmente apenas por uma leve distorção visual provocada pela proximidade da câmera) caso existam metragem mais longas do filme, como algumas fontes chegam a apontar. Não se pode deixar de fazer jus a um quase nunca lembrado uso realista dos cenários que antecipa Kane, e que não por acaso deve ter sido induzido pelo mesmo fotógrafo, Tolland, que apresenta em determinados momentos o teto dos ambientes, algo bastante incomum nas produções contemporâneas. Seria a última investida no terreno da direção de Freund, mais conhecido justamente por sua contribuição como fotográfo na cinematografia alemã em filmes como Berlim, Sinfonia de uma Metrópole e Metropolis (ambos de 1927), Varieté (1925) e A Última Gargalhada (1924). Evidentemente, a figura de Lorre já se encontra então associada a outro psicopata que ele viveu no seu mais famoso filme alemão, M (1930). MGM. 67 minutos.

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