Filme do Dia: Ela (2013), Spike Jonze
Ela (Her, EUA,
2013). Direção e Rot. Original: Spike Jonze. Fotografia: Hoyte Van Hoytema.
Música: Arcade Fire. Montagem: Jeff Buchanan & Eric Zumbrunnen. Dir. de
arte: K.K. Barrett & Austin Gorg. Cenografia: Gene Serdena. Figurinos:
Casey Storm. Com: Joaquim Phoenix, Amy Adams, Chris Pratt, Rooney Mara,
Scarlett Johansson, Matt Letscher, Olivia Wilde, Luka Jones.
Theodore (Phoenix) é um escritor solitário, vivenciando o
trauma da recente separação de sua mulher, Catherine (Mara), quando se depara
com um sistema operacional que passa a organizar não apenas sua agenda, mas
também se auto-denomina Samantha (Johansson) e que se torna cada vez mais íntima dele, expressando uma atenção e sentimentos que lhe seduzem. Theodore se
apaixona pelo sistema operacional. Sua amiga, que vivencia o recente luto da
separação, Amy (Adams), também se torna grande amiga de um sistema operacional.
Ainda que o sistema seja programado a não entrar em confronto com seu usuário,
Samantha toma decisões próprias, algumas delas não exatamente bem acolhidas por
Theodore, como a de incluir uma terceira “pessoa” (Wilde) na relação. Aos
poucos seu envolvimento e dependência emocional se tornam crescentes. Ao se
encontrar com Catherine para efetivar o divórcio e afirmar para ela se
encontrar em relação com um sistema operacional, essa afirma que ele nunca
conseguira, de fato, encarar uma relação com uma mulher, com todas as suas
implicações. Ele entra em parafuso quando o sistema sai de operação. Depois
descobre que ela estava se reatualizando e que não opera somente com ele, mas
com centenas de outros clientes. Mesmo chocado e decepcionado, não consegue
abandonar seu uso. Certo dia, porém, Samantha afirma que todos os sistemas OS
irão desaparecer. É o que ocorre. Theodore vai ao encontro de Amy, que também
afirma o desaparecimento do seu.
Mesmo partindo de uma premissa inteligente, original e
instigante no que diz respeito à crescente interatividade com universos
virtuais da sociedade contemporânea, o filme (do realizador do excelente Quero ser John Malkovich) é prejudicado
por sua excessiva dependência da situação proposta, extraindo praticamente todo
seu potencial cômico das situações de paralelismo com uma relação afetiva
convencional que são dispostas (encantamento, sexo, paixão,
traição, propostas de sexo não convencional para evitar a monotonia,
revelações surpreendentes, etc.). O fato da trama se passar numa Los Angeles
algo vagamente futurista, construída a partir do recorte de diferentes cidades,
mas sobretudo virtualmente elaborada, tampouco auxilia, mesmo tendo como fim a
subjugação a um padrão de rala interatividade humana e crescente interação com
dispositivos tecnológicos. Ao apresentar seu protagonista como uma espécie de
burocrata desse novo mundo, em que os sentimentos parecem algo a ser
conquistado a duras penas, trabalhando numa empresa onde redige cartas para
pessoas há anos, a impessoalidade de seu serviço e seu anonimato entre outros
que fazem o mesmo apresentado logo ao início não deixa de remeter a uma
atualização de A Turba (1928), de
King Vidor. Em seu centramento em si próprio, Theodore – e, consequentemente, as
situações de humor que são projetadas a partir dele – também é evocativo dos
alter-egos criados em ambientes mais ortodoxos por Woody Allen. Em nenhum
momento, no entanto, o filme acena de forma mais concreta para o motivo da
crescente afasia de seu personagem, que acredita já ter vivido todos os seus
momentos mais intensos. Esses, por sua vez, são retratados através de
flashbacks tão anódinos quanto o de qualquer filme romântico banal de uma
sessão da tarde. É muito pouco para que se crie real interesse pelas demandas
de sua fantasia, assim como da fantasia mais ampla desse novo mundo posto pelo
filme. Algo que se torna ainda mais problemático por sua longeva extensão, ou
ao menos assim sentida em termos de ritmo, que parece antecipar vários falsos
finais. Torna-se implícito que a afasia sentida por Theodore e Amy é produto de
uma sociedade crescentemente individualizada. Sendo que a busca para a fuga
dessa perda de contato emocional com os outros aprofunda ainda mais a
individualidade da qual se quer fugir. Como não se tem medida mais ampla do que
ocorre em termos sociais, algo sonegado tanto em termos de construção visual,
com planos demasiado fechados e uso de planos abertos com flu, apenas se tem um
indicativo que as relações com sistemas operacionais começam a se tornar frequentes,
mas longe de ser a forma predominante de sociabilidade. Trata-se, portanto, de
uma distopia que, de forma pouco usual, não apresenta uma situação por atacado,
mas seu efeito de forma mais localizada. Porém, que o efeito provocado nos dois
personagens que o filme se atém são grandemente induzidos pelo mundo mais amplo, não resta
dúvida. E, em alguns momentos, o filme apresenta isso de forma algo didática,
seja quando se observa a maioria das pessoas interagindo com seus celulares à saída
do metrô, seja apresentando a vulnerabilidade de Theodore sentado e prestes a
ser quase virtualmente capturado pela gigantesca águia que surge na tela por
trás dele. Seu previsível final tão melancólico quanto seu desenrolar, acena
para um retorno mais efetivo entre as relações humanas mais por imposição do
que propriamente opção. Algo que é proveniente, inclusive, de uma intervenção
no estilo Deus Ex Machina: por algum
motivo, os sistemas operacionais deixarão de funcionar. Annapurna Pictures para
Warner Bros. 126 minutos.
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