Filme do Dia: A Canção de Lisboa (1933), de José Cottinelli Telmo
A
Canção de Lisboa (Portugal, 1933). Direção e Rot. Original: José Cottinelli
Telmo. Fotografia: Henri Barreyre & César de Sá. Música: René Bohet, Raul
Ferrão, Raúl Portela & Jaime Silva Filho. Montagem: Tonka Taidy. Com: Vasco
Santana, Beatriz Costa, Antônio Silva, Teresa Gomes, Sofia Santos, Alfredo
Silva, Eduardo Fernandes, Manoel de Oliveira.
Vasco (Santana) é um acadêmico de medicina, bon vivant, e que nunca passa nos exames
e se fia na herança das velhas tias solteironas (Gomes e Santos) para se casar
com a sua pretendente, Alice (Costa), filha do alfaite Caetano (Silva). A
súbita visita das tias a Lisboa põe a perigo todas as mentiras inventadas por
Vasco para que elas o mantivessem por lá. Vasco pretende contar com a ajuda do
futuro sogro para se fazer passar por médico reconhecido. As tias, porém,
descobrem a verdade e Alice resolve romper com ele. Na amargura, Vasco resolve
se embriagar e solta a voz cantando fados em um bar, fazendo extraordinário
sucesso. A partir daí ele inicia uma carreira de relativo sucesso que interrompe para finalmente fazer o exame e ganhar seu título de doutor e casar
com Alice.
Com todas suas evidentes limitações, essa farsa consegue
apresentar qualidades raramente ou não encontradas de todo no cinema brasileiro
do período. Ainda que a maior parte das piadas soe por demais caricatas ou
ingênuas para serem de fato efetivas, há um leve senso de humor, mais
interessante que o da representação física dos atores, nos diálogos e até mesmo
em algumas tiradas visuais. Telmo consegue conjugar, em alguma medida, um senso
de ingenuidade que tampouco deixa de fora a malícia e a sensualidade, com
destaque para uma heroína plenamente sexuada, inclusive se evadindo do noivo
para dançar com um rapaz que lhe atrai a certo momento e que remete muito
distantemente ao uso de tais estratégias de modo mais talentoso por um Renoir
ou – e principalmente – Vigo. Beatriz Costa certamente mereceria ter
trabalhado com ambos. Sua apaixonada e ao mesmo tempo coquete Anita possui algo
da mescla entre docilidade infantil e brejeirice que lembra, no cinema
mudo, Louise Brooks. Vasco Santana
empresta a seu personagem um naturalismo ainda muito distante de se realizar no
cinema brasileiro da época, cujas
interpretações são bem mais empostadas ou teatrais. Por outro lado, o fato de populares e
transeuntes sempre observarem suas trapalhadas parece se encaminhar justamente
no sentido oposto. Entre suas tiradas há uma referência jocosa ao Estado Novo
então recém-instituído que aparentemente passou despercebida pelos censores.
Vasco prega um anúncio de um casaco em “estado novo” nas costas de uma velha
senhora que aparecera na loja e que se vai, levando juntamente o anúncio. Em
vários momentos o filme faz uso de um recurso de montagem relativamente incomum
no qual a continuidade é incisivamente efetuada mesmo a partir de um novo
enquadramento. Seu prólogo apresenta imagens “pujantes” de Lisboa, em corte
seco, mesmo que em estilo bastante diverso
a da mais célebre das “sinfonias urbanas”, Berlim, Sinfonia de uma Metrópole. É Lisboa
apresentada a partir da canção-título. A
trilha sonora, também presente enquanto canção – o filme possui seu
momento musical, ainda que relativamente integrado dentro das situações do
enredo – sem dúvida é fundamental para a atmosfera pretendida. O personagem de Vasco poderia muito bem ter
servido como matriz para o protagonista do filme de Roulien, Aves sem Ninho (1939), igualmente um
acadêmico de medicina fanfarrão, caso não fosse o último uma adaptação do
teatro. Torna-se algo cruel a comparação, entretanto, para o brasileiro Celso
Guimarães. Manoel de Oliveira, que ainda
não havia iniciado sua longeva carreira como cineasta, surge aqui como ator.
Tobis Portuguesa. 85 minutos.
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