Filme do Dia: Karl May (1974), Hans-Jürgen Syberberg

 


Karl May (Al. Ocidental, 1974). Direção: Hans-Jürgen Syberberg, a partir do romance de Karl May. Fotografia: Dietrich Lohmann. Música: Eugen Thomass. Montagem: Ingrid Broszat & Annette Dorn. Dir. de arte: Nino Borghi. Figurinos: Astrid Six. Com: Helmut Käutner, Kristina Söderbaum, Käthe Gold, Attila Hörbiger, William Trenk, Madi Rahl, Lil Dagover, Rudolf Prack.

Próximo ao final da vida, o célebre escritor Karl May (Käutner), passa a ter vários dos créditos conquistados ao longo dos anos, sobretudo em termos da popularidade de seus romances, questionados por acusações que incluem desde a baixa qualidade de sua produção literária até o fato de ter omitido sobre os romances eróticos que escrevera na sua juventude passando por acusações de que nunca teria saído da Saxônia e que teria cometido um assassinato e vários furtos. Após separar-se de sua primeira esposa, Emma (Söderbaum), Karl May se casa com a já amante e então amiga de Emma, Klara (Gold), sendo a primeira mulher uma das acusadoras dos arrastados processos e julgamentos que se sucedem, incentivada por, dentre outros, o jornalista oportunista Lebius (Trenck). Após entrar em quase completo descrédito, passando a vivenciar forte depressão, May acaba sendo redimido por um júri que exalta suas qualidades como expressão de último “autor de gestas” alemão e, ainda na saída do tribunal, recebendo o convite para ter suas obras republicadas, morrendo pouco tempo após.

Segundo filme da trilogia sobre a Alemanha de Syberberg, que inclui ainda o anterior Ludwig – Réquiem para um Rei Virgem e o posterior Hitler – Um Filme da Alemanha. Aqui, não apenas o estilo é bem mais convencional que, em seu filme posterior e mais célebre – de algum modo já anunciado na breve aparição do personagem de Hitler próximo ao final – como igualmente sua percepção do personagem parece menos densa e alegórica que no último filme da trilogia. De fato, parece quase caricata a “redenção”, em termos de prestígio, observada pelo protagonista ao final, como se um grande articulador tivesse observado a “injustiça” que havia sido reservada ao autor. Aqui fica patente, como em toda a trilogia, o desejo manifesto do realizador de provocar o público alemão com o retorno a mitos de seu passado recente que foram de alguma forma sufocados/sacrificados pelo establishment bem pensante do pós-guerra como manifestações de um conservadorismo que levaria a barbárie perpetrada durante a Segunda Guerra. May, nesse caso, é observado sem qualquer julgamento moral e aqueles que o fazem esse em relação a ele são observados como patéticos e hipócritas moralistas de ocasião. Filmado em cenários suntuosos e longe da forma de experimentação apresentada em Hitler, algo prenunciada somente na coleção de bonecos de guerra que são o apanágio de um dos personagens, ainda que de forma bem mais realista e integrada em termos de uma narrativa mais convencional, o filme apresenta sua monumentalidade também em termos de sua duração. A efígie de May, personificado pelo ator que a vivenciou nessa produção (?), surge a determinado momento de Hitler. Enquanto o filme louva o seu personagem, transformando-o quase literalmente em um munumento em seu final, Schroeter apresentaria uma relação antípoda para com o passado e a tradição cultural germânica da alta cultura, em obras tais como Eika Katappa ou A Morte de Maria Malibran). Não menos provocativo é a presença no elenco de nomes luminares de momentos passados da cinematografia que incluem o cinema nazista, tais como a atriz-símbolo do período, Sönderbaum e Lil Dagover, mais lembrada por sua participação em O Gabinete do Dr.Caligari, mas igualmente bastante atuante nos anos do nacional-socialismo. O próprio protagonista, é vivido com brilho por Helmut Käutner, ator e cineasta que mesmo mais lembrado por suas obras do pós-guerra foi bastante profícuo nos anos do nazismo. Destaque para o uso de um recurso anacrônico, a cortina, para demarcar situações diversas apresentadas pela narrativa, algumas delas resumidas em um único plano-sequencia. Cenas de filmes de Lumière e Méliès são observadas no momento em que Emma May, então esposa de Karl, visita com Klara, sua futura esposa, uma feira de variedades. Bavaria Film/Goethe House/TMS Film GmbH/ZDF para Warner-Columbia Filmverleih. 187 minutos.

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