O Dicionário Biográfico de Cinema#247: Hans-Jürgen Syberberg

 


Hans-Jürgen Syberberg, n. Nossendorf, Alemanha, 1935

1968: Skarabea [How Many Earths Does a Man Need?]. 1972: Ludwig II - Requien für einen Jung Fräulichen König [Ludwig - Réquiem para um Rei Virgem]. 1973: Theodor Hierneis oder Wie Man ein Ehemaliger Hofkoch Wird [Ludwig's Cook]. 1974: Karl May. 1975: Winifred Wagner und die Geschichte des Hauses Wahnfried 1914-1975 [The Confessions of Winnifred Wagner]. 1977: Hitler, ein Film aus Deutschland [Hitler - um Filme da Alemanha. 1982: Parsifal. 1984: Die Nacht. 1990: Ein Traum, Was Sonst.

Syberberg é talvez o mais ausente e absorvente dos diretores modernos. Mesmo quando se lista seus filmes, é um enigma se são ficção, documentário ou retalhos de um teatro épico em um cinema que excede rótulos. Nenhum diretor alemão foi tão conscientemente assaltado pelo passado recente de seu país, e ninguém, à parte Rosselini, explorou tanto uma relação discípula do cinema com a história. O filme de Syberberg de Hitler é não apenas uma forma de nos tornar conscientes do hitlerismo como um instinto umiversal, não apenas um profundamente inventivo e original show de marionetes sobre a história moderna, mas um filme feito no espírito admirado que aprecia Hitler como um Selznick monstruoso que esperava deixar no mundo uma mistura de Wagner e cinema noir. Syberberg é um gênio teatral demasiado rico para o teatro, e um analista brilhante do modo pelo qual a mídia se tornou nossas mensagens. É Brecht encontrando McLuhan por um lado; mas é Wagner indo a Cabaret, por outro. E estas são apenas duas faixas do mestre do cinema de ideias quadrofônicas. Os filmes ainda são pouco vistos, e são obras que necessitam ser vivenciadas, antes que se torne operativos ler sobre elas. 

Quando jovem, foi um ansioso fotógrafo que teve a sorte de ir ver os ensaios do Berliner Ensemble e registrá-los com uma câmera de 8 mm. Vinte anos depois desta aventura o material foi ampliado e lançado como Nach Meinem Letzten Last Time Umzug...[Last Time I Moved] (73), um documento vital sobre a metodologia de Brecht. Syberberg aprendeu dois coisas da experiência: que o filme acrescentou  um brilho ou mística impenetrável ao teatro - mais como lenda que prática. E que a mistura enérgica de drama, parábola, farsa e lição ofereceu um modo para outros artistas trabalharem em diferentes midias: e é relevante para Godard e Warhol, igualmente, duas das conhecidas influências de Syberberg.

Após a universidade foi para a TV alemã, onde realizou muitos documentários sobre temas teatrais, incluindo um sobre Fritz Kortner ensaiando cenas de Schiller. Este período lhe ensinou o valor da pesquisa e dos documentos originais, da mesma forma que o imaginário midiático transformava estes achados em slogans e ícones, uma linguagem de clichês, conhecida por quase todo mundo. Foi neste contexto que Syberberg se lançou ao último século na Alemanha, na linha dos heróis maculados - fonte de material perfeito para rastrear a habilidade da mídia de transformar ideais em ogros e brinquedos de plástico:

Penso que farei [Ludwig] como Lonesome Cowboys de Warhol (...) imaginei Ludwig em uma motocicleta, Wagner em um carro pequeno, pessoas de cabelos compridos e usando drogas. Penso que Ludwig deveria ser uma espécie de hermafrodita, um homossexual, que queria vender a Bávaria aos prussianos. Inventei todas estas coisas e então, quando li os livros, aprendi que estava certo!

Ludwig foi feito com poucos recursos, mas é uma fusão barroca de períodos, formas fragmentadas e projeções de fundo. A narrativa é sobrecarregada pelas colagem de pontos de vista; a história se torna uma galeria filmada de interpretações grotescas, tanto quanto o circo que Ophüls criou em Lola Montès. Sua recriação teatral da história serve enquanto sátira, mas Syberberg também estima o romantismo de Wagner e frequentemente preenche o filme com ousado heroísmo grandiloquente. Sua abordagem analítica da história alemã é conquistada através de um equilíbrio entre o detalhe e a imersão,  e nunca carrega qualquer nota de retrospectiva hipócrita. 

Ludwig's Cook tem um ator interpretando o cozinheiro e nos levando a um tour nos palácios de Ludwig. E é a história reconstruída da perspectiva da cozinha: doméstica, irreverente, mas demente no sentido do próprio cozinheiro ser um tirano que monopoliza a câmera e embaralha seus papéis enquanto ator e personagem, como se estivesse se masturbando. Karl May é uma espécie de biografia primitiva, povoadas com atores dos anos 30 e 40, sobre o escritor de aventuras inspiradoras, o elo entre Ludwig e Hitler no nível histérico do patriotismo sangrento e agressivo. Winifred Wagner foi outra inovação, uma entrevista de cinco horas com a nora do compositor. Há uma versão de duas horas para circulação mais ampla, e é um retrato atraente de uma pessoa envolvida na realização da história, revelando parte desta mentalidade, e ainda inconsciente de todas suas implicações. 

Estes projetos levaram-no ao gigantesco Hitler: vinte e dois capítulos, em quatro partes, e sete horas, e é um apanhado geral das imagens, fantasmas e interpretações de Hitler. Mais aparentado a Ludwig, é teatral e semelhante a um parque de diversões, mas sempre uma selva transformada em argumento pela serena análise diante da câmera. Sua liberdade com os níveis de artifício e realidade tornam-o uma análise dos modos que tentamos assimilar, esquecer ou  reformular depois do mais medonho evento de nossos tempos. Como Lang, no entanto, Syberberg emprega a posição didática produzida pela compensação da desordem do mundo com uma autoridade soberba de câmera.

Este filme marcou uma virada tão grande quanto a conclusão dos contos morais de Rohmer. Ele pode necessitar tanto do texto histórico quanto Rossellini, mas não aprecia a ilusão narrativa do cinema:

Meu filme [Hitler] apresenta como a guerra terminou na Europa com toda uma cultura, todo um continente destruído. Se, em seu modo sombrio, Hitler foi bem sucedido em estabelecer seu conceito de uma Europa heróica (e estava muito próximo de fazê-lo), seria o trágico fim do gênero humano como conhecíamos antes. Ao início do filme, apresento uma pequena esquina do inferno. Ao final, apresento não apenas o inferno, mas também como a realidade de Hitler se tornou parte da indústria do entretenimento.

Desde Parsifal, Syberberg tem se evadido grandemente de qualquer padrão convencional de trabalho. Pelo contrário, tem colaborado intensamente com a atriz Edith Clever em uma série de monólogos dramáticos a serem encenados em teatros e então filmados. Die Nacht - com seis horas de duração - foi o primeiro destes e a série culminou com Ein Traum, Was Sonst, no qual Clever interpretava a enviuvada nora de Bismarck, recontando eventos de sua vida e de sua passagem pela Alemanha.

Esta obra raramente tem sido vista fora da Alemanha, e não tem encontrado financiamento apropriado. Mais que tudo, Syberberg tem escolhido não distribuir os filmes que concluiu. Uma magnanimidade fatal se estabeleceu: "As pessoas devem vir aos meus filmes por conta própria."

Em acréscimo, escreveu três livros, o mais notável "Sobre o Infortunio e Fortuna da Arte na Alemanha Desde a Última Guerra" - que angariou uma expressiva crítica e acusações de anti-semitismo.

Recluso ou tirano, Syberberg é um gênio autoconsciente e autoconfesso, e é difícil acreditar que tal isolamento é benéfico para sua obra, ou que irá diminuir sua paixão pela história. Supostamente está escrevendo sua autobiografia, e dificilmente seria menos que épica. 

Ele nos aconselha, tábuas enviadas das montanhas: "As pessoas precisam confiar no desenvolvimento e realizarem a transformação comigo."

Seu único crédito, em anos recentes, é The Ister (04, David Barrison e Daniel Ross), no qual é entrevistado.

Texto: Thomson, David. The New Biographical Dictionary of Film. N. York: Alfred A. Knopf, pp. 2583-86. 


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