Filme do Dia: A Cólera dos Deuses ou A Destruição de Sakura Jima (1914), Reginald Barker
A Cólera dos Deuses ou A Destruição de Sakura
Jima (The Wrath of Gods, EUA, 1914). Direção Reginald
Barker. Rot. Original William H. Clifford, Thomas H. Ince & C. Gardner
Sullivan. Com Sessue Hayakawa, Tsuru Aoki, Frank Borzage, Kisaburô Kurihara,
Henry Kotani, Gladys Brockwell, Herschell Mayal.
Quando o pescador fica imediatamente
atraído por Toya San (Aoki), que observa entre os rochedos da praia, e uma
situação de sedução se instaura um velho, Takeo (Kurihara) lhe admoesta sobre a
maldição que pesa sobre a família dela. Toya San entra em desespero. E é nessa
condição que seu pai, o Barão Yamaki (Hayakawa), a encontrará. Diante da
consternação da filha, o pai lhe lê a profecia que, caso uma das filhas de
Yamaki venha a casar, a natureza se ocupará de extinguir a raça através da
fúria do vulcão. Toya San, inconformada com a injusta maldição sobre si,
repudia a sua fé, diante da imagem de Buda. A blasfêmia de San provoca uma
tempestade, que atinge um barco que se aproxima da costa. Na manhã seguinte, a
calmaria que segue a tempestade, também provoca uma renovação nos ânimos antes
conturbados de pai e filha. Ao caminhar pela praia, no entanto, o Senhor Yamaki
se deparará com o barco naufragado e suas vítimas. Um único homem, Tom Wilson
(Borzage), sobrevive. Meses depois, apaixonado por Toya San, a pede em
casamento. Após um breve momento de felicidade, vem à mente dela a profecia do
velho. Entre lágrimas, Toya San apresenta o papiro da maldição ao pretendente.
Wilson lhe entrega um terço com um crucifixo. O casal consegue convencer
Yamaki, após o choque inicial. E casam-se na missão sino-americana; sua união
sendo rapidamente motivo de fofocas na comunidade local. E membros dessa vão
contar a triste nova para o Velho. Um grupo se dirige à Missão, e o reverendo
não possui alternativa que fazer com que fujam clandestinamente. Furiosa a
turba vai até a cabana de Yamaki, que é invadida, após escutarem que ele havia
abandonado o credo budista. Eles o matam e incendeiam sua cabana. Uma erupção
do vulcão se inicia, como rezava a profecia.
Somente laivos muito instigados a
tirar partido do convite à sedução via Orientalismo, faria com que dois nomes
orientais encabeçassem o elenco de um filme norte-americano na aurora dos
longas-metragens. Fenômeno que se repetiria em outros longas da década, como The
Dragon Painter, de meia década após e com a mesma dupla, ou antes mesmo
disso, The Soul of Kura San, para
não falar dos vários que Aoki seria a única representante oriental no elenco.
Elenco que aqui é integrado por Borzage, um dos cineastas em maior evidência em
Hollywood nos estertores do cinema mudo. Mesmo que o flashback que traz
à memória a interdição ao amor para Toya San, seja um pouco mais extenso do que
se tornaria posteriormente necessário, só o uso do recurso já é digno de nota,
em tão precoce momento, talvez daí a necessidade de provocar a certeza no
espectador que se trata de uma lembrança da personagem. Embora haja
incongruências e facilidades um tanto bisonhas no roteiro (pai e filha não
terem escutado o barulho do naufrágio; Wilson ter sido, de forma um tanto
cômoda, o único sobrevivente, nenhum pouco abalado pela morte de toda a
tripulação; e Toya San tampouco por ter provocado a morte deles com sua heresia;
o navio havia chegado praticamente a areia da praia) é evidente que tudo isso é
secundário, quase um estorvo, diante de um conto de nuances edipianas, como
tantos que foram levados às telas. Pior de tudo, em termos etnocêntricos, é o
rápido convencimento do pai, a partir da explicação de um Deus mais poderoso
que Buda. Aliás, provavelmente não há exemplo mais gritante de confronto de
religiosidades no cinema clássico hollywoodiano. A imagem do Buda é
simplesmente jogada fora, substituída por uma cruz improvisada. Apesar da
pretensa força maior do Deus cristão, o melodrama se encontra aliado certamente
do budismo (ou da versão dele trazida pelo filme, paradoxalmente como uma
crendice primitiva, mas que se encontra com a razão, no final de contas). As
imagens da multidão descendo colinas em meio a fumaça e os gases liberados pelo
vulcão ainda guarda grande força expressiva. E não é cruel que o profeta, que
estava mais que certo, venha a morrer, enquanto
Toya San e seu homem cristão, não apenas não consigam barrar a maldição,
como ele previa, como ainda sejam responsável pela mortandade generalizada,
inclusive do pai dela, e no caso dela duplamente, já que antes já o havia sido
pelos que morreram no naufrágio? Inicia com uma apresentação que remete
diretamente ao teatro, com as cortinas, presença dos atores e mesura e finda de
igual modo. Como se acusassem a influência intensa do melodrama teatral, embora
na visualidade felizmente longe disso. Terá trazido o filme o primeiro beijo
interracial do cinema norte-americano (mesmo sendo o de afeto final muito mais
intenso)? Estreia do maior ícone nipônico em produções ocidentais por décadas:
Sessue Hayakawa. Drama em seis rolos. | New York Motion Picture para Mutual Film. 57
minutos.
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