Filme do Dia: A Fotografia Oculta de Vivian Maier (2013), John Maloof & Charlie Siskel
A Fotografia Oculta de Vivian Maier (Finding Vivian Meier, EUA, 2013).
Direção e Rot. Original John Maloof & Charlid Siskel. Fotografia John
Maloof. Música J. Ralph. Montagem Aaron Wickenden.
O que
havia de excepcional e humano, observado com tanto rigor estético, por uma
anônima babá se torna, infelizmente, material para um documentário de formato
tão chapado e anônimo quanto foi em vida, a obra de Vivian Meier, que parece
produzida para vir a ser eventualmente descoberta posteriormente – tal o rigor
aristotélico a guardar tudo que possuía,
de recibos de pagamentos a roupas, passando é claro pela quantidade exorbitante
de negativos nunca revelados. E cassetes e filmes amadores, ainda por cima. Apenas aos 16 minutos do documentário é que temos acesso às primeiras imagens
de Vivian, tiradas por ela própria. Aos poucos se vai desvelando facetas
desconhecidas de Vivian. Sua paixão pelas crianças, que surgem como motivo
primordial de muitas de suas filmagens amadoras. Suas viagens para os mais
diversos recantos do mundo, onde não poupa os cliques. Forjando nomes para
muitos de seus patrões ou pessoas que tinha a necessidade de ter algum contato.
São como camadas a se sobreporem, acondicionadas em diferentes álbuns. E o
melhor comentário sobre como Vivian receberia o reconhecimento de seu trabalho,
é o da mulher a afirmar que ela gostaria de ter sua obra reconhecida, mas não
ela própria. Nesse sentido, a solução encontrada pelo jovem nerd que primeiro
percebeu seus negativos e foi escavando cada vez mais material é mais que um
passo nesse sentido, pois é a apreciação desta obra com sua autora já morta –
embora trazendo ela para um grau de protagonismo e exposição que provavelmente
odiaria (o que deixa o seu “descobridor” se sentindo um pouco culpado), embora
ao mesmo tempo tenha deixado muitas pistas que facilitavam também esta
exposição (autorretratos, infinita memorabília). As pessoas que conviveram com
ela, seus patrões, e até mesmo alguém que alega ter sido sua amiga por dez
anos, Carole, não sabiam de onde teria vindo ao certo e ficam chocadas a saber
que nascera em Nova York. Esta mesma que diz ter sido sua amiga, e que entra no
rol das que não acreditam que a babá-fotógrafa gostaria de ter sido reconhecida,
afirma depois que é uma pena que este reconhecimento “não tenha chegado dez
anos antes”, pois ela vivia com dificuldades financeiras. Porém, para quem parecia acabrunhado a
determinado momento por expor alguém que aparentemente não gostaria de sê-lo,
Maloof parece estranhamente compulsivo em investigar sobre seu passado, ao
ponto de descobrir suas origens em um pequeno povoado francês, cujo último
primo remanescente guarda uma foto dela criança. Seria uma forma também de
expandir seu documentário, que poderia ficar demasiado curto (ou
desinteressante para um público contemporâneo quase viciado em constantes
reiterações de sentimentos intensivos?). Duas mulheres para quem Vivian havia trabalhado entre o final dos anos 60 e
idos da década seguinte afirmam em contraste uma que ela não pedia para posar,
que eram flagrantes e outra o extremo oposto. E nos damos conta, após já algum
tempo assistindo, que as diferentes camadas incluem uma faceta obscura ou mesmo
sinistra de Vivian e que, como numa conversa com alguém desconhecido,
provavelmente só emergirá após um tempo de familiaridade – ou no caso em
questão, por obra da montagem. Um crítico tenta vincular sua atividade como
babá ao ato fotográfico, supondo que o olhar acurado para o detalhe em suas fotografias
estaria vinculado a percepção que havia criado enquanto babá. Mas talvez fuja
destas tentativas de interpretação ou não seja elaborado o suficiente a sua
atração mórbida por um “estar no mundo” enquanto parente próximo de uma vida
sem grandes laços afetivos (como a dela) podendo descambar para a morte (no
caso dos animais, como a foto de um corpo atropelado de um gato, ou de um
cavalo morto, e com a cabeça ensanguentada ao lado de uma sarjeta). Assim como
sua obsessão por crimes hediondos e notícias do gênero, nos jornais populares –
dentre eles manchetes sensacionalistas sobre o assassinato de Tate pelos
seguidores de Manson. Mesmo sem ter sido
completamente aceita pelo cânone artístico, exposições suas levaram multidões
em Nova York ou Los Angeles – onde Tim Roth explana sobre uma foto de um
morador de rua, que apesar de todos os traços de uma vida sofrida, também
demonstrava alegria. E também internacionalmente (Londres, Alemanha,
Dinamarca). Os depoimentos finais dão conta de um agravamento do estado mental
de Meier em seus últimos anos. Porém, como parece quase uma obrigação no caso
de uma produção estadunidense, o sucesso de suas exposições vem depois, como se
até mesmo uma figura tão essencialmente marginal quanto a fotógrafa devesse
desfrutar de sua celebridade, mesmo póstuma. |Ravine Pictures. 84 minutos.
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