Diretoras de Cinema#17: Martina Attile

 



ATTILE, Martina (1959-). Reino Unido. Membra reconhecida do coletivo de filmagem negro Sankofa, Martina Attile é ativa tanto realizadora quanto crítica em Londres. Ela falou a Lynne Jackson e Jean Rasenberger como o coletivo iniciou, em uma entrevista de 1988:

Cada um de nós era estudante negro estudando teoria da comunicação em diversas faculdades. Nos configuramos enquanto grupo negro porque havia muito pouco espaço permitido na instituição para nós tornarmo-nos íntimos com nossa própria experiência. Não podemos negar nossa história, nosso conhecimento. (p. 23)

O coletivo era composto por Nadine Marsh-Edwards, Isaac Julien, Martina Attile e Maureen Blackwood. Attile produziu Passion of Remembrance (1986), a primeira produção Sankofa, dirigida por Maureen Blackwood e Isaac Julien. Passion of Remembrance desenha inteiramente todo um novo território cinematográfico. Foi saudado como um filme clássico que trata a perspectiva negra de um ponto de vista de realizadores negros. Críticos defenderam o filme por sua representação da experiência negra e sua decidida ênfase sobre a diversidade. Trata-se de uma montagem de diferentes pontos de vista da experiência negra, e narrativas tanto reais quanto imaginadas são incluídas no filme. Um casal argumenta sobre suas experiências sociais e raciais na Inglaterra contemporânea na principal narrativa, que é intercalada com imagens de vídeo da recente história negra na Inglaterra. Os documentos fílmicos resultantes são tanto de celebração quanto de raiva. Attile explica a difícil estrutura do filme em uma entrevista com Lynne Jackson e Jean Rasenberger em Cineaste

A estrutura veio de como tentar tornar as ideias acessíveis. As pessoas podem se tornar bastante estáticas e relutantes em mudar. Elas se sentem seguras e não compreendem as diferentes estratégias que devem ser usadas, as diferentes vozes que devem ser ouvidas. Para muitos é assustador, mesmo para aqueles que estão descobrindo suas próprias vozes (...). Nós decidimos utilizar ficção porque nos abriu espaço para fantasiarmos sobre possibilidades, mesmo que não tivessêmos respostas. Apresentamos um otimismo que imagina possibilidades. (p. 23)

Como explica bell hooks, Passion of Remembrance é um filme que surge de um novo objetivo de transcender noções ultrapassadas da espectadora feminina negra. Filmes neste movimento negro "empregam uma prática cinematográfica desconstrutiva para minar os grandes artifícios cinematográficos, mesmo enquanto enfatizam a subjetividade retórica no âmbito do visual." (Hooks, p. 130). Mais importante, os filmes da Sankofa e outros filmes dirigidos por mulheres negras estão abrindo novas avenidas de espectatorialidade feminina negra e formação de identidade. Como hooks notou, eles formam um "olhar opositivo" e convidam às mulheres negras a um processo de "contra-memória, utilizando-a como uma forma de apresentar e inventar o futuro." (p. 131) 

E é importante notar que as realizadoras negras estão se envolvendo elas próprias enquanto críticas e historiadoras (*) por conta do processo de realização da história quanto o próprio cinema. Por demasiado tempo, o feminismo, e particularmente a crítica de cinema feminista tem sido uma oportunidade da mulher branca. Somente em passado bastante recente mulheres de cor emergiram como realizadoras reconhecidas e críticas de cinema. Martina Attile, Michelle Parkerson, Maureen Blackwood, Trinh T. Minh-ha, Pratibha Parmar, Ngozi Onwura, Zeinabu irene Davis, Christine Choy, Ayoka Chenzira, Tracey Moffatt e Julie Dash são apenas algumas das muitas mulheres de cor que estão realizando enormes avanços na teoria crítica de cinema e na produção de cinema e vídeo.

Em acréscimo ao seu trabalho com a Sankofa, Martina Attile dirigiu Dreaming Rivers (1988), que foi distribuido pela Women Make Movies Inc., em Nova York. O filme de trinta minutos é comparável ao épico Daughters of the Dust (Filhas do Pó) de Julie Dash, em que ambas contam histórias de famílias caribenhas que vivenciam a migração. Ambos os filmes são conectados pelo tema do exílio e a importância da comunidade e da paisagem física. Em Dreaming Rivers, no entanto, a narrativa gira em torno de uma mulher mais velha, "Miss T", que foi deixada em um apartamento de um quarto por seu marido e crianças que foram levados a perseguir seus sonhos. O título se refere a natureza fragmentária das memórias da família, que se reúnem para o funeral de Miss T. O filme é ricamente metafórico e alegórico e uma importante admissão no cânone em desenvolvimento do novo cinema negro.

Attile continua ativa nos workshops sobre mulheres negras e representação. Na primavera de 1984, o Black Women and Representations Workshops foi formado em Londres e financiado pela Greater London Arts Council. Os workshops de cinema foram liderados por criticas/realizadoras como Martina Attile e Maureen Blackwood. Os workshops formais e informais discutiram sobre tópicos tais como estereótipos negros, o controle das imagens e frequentemente incluíam exibições. Nas notas dos workshops de 1984, Attila e Blackwood explicam que seu objetivo "é estabelecer um fórum permanente para discussões em torno das implicações socias e políticas da fragmentação das mulheres negras no cinema/vídeo/televisão." (p. 203). Dentre as atividades do workshop estão exibições e discussões da figura da "mammy" em filmes hollywoodianos tais como Gone with the Wind (...E O Vento Levou) e Imitation of Life (Imitação da Vida) e desenhos animados populares dos anos 30 e 40. 

Os que participam do workshop da Sankofa discutem a descrição colonialista do corpo negro feminino como um "continente negro" que é colonizado pelo cinema mainstream de Hollywood. A habilidade de (re)olhar as dolorosas imagens racistas é um importante passo rumo à definição da apropriação da identidade feminina negra. Os esforços da Sankofa, o Black Women and Representation Workshops, Women in Sinc, e o Black Audio Collective representam largos passos em direção a um contracinema de propriedade da mulher negra. O estilo sankofa afasta-se do cinema narrativo linear rumo a uma aproximação da montagem em multicamadas que abraçam as multivalências da experiência cotidiana. Martina Attile deve ser creditada por suas atribuições na Sankofa, assim como seu ativismo e cinema.

FILMOGRAFIA SELECIONADA

Territories (1985)

Passion of Remembrance (1986)

Dreaming Rivers (1988)

BIBLIOGRAFIA SELECIONADA

Alexander, Karen. "Julie Dash: Daughters of the Dust, and a Black Aesthetic." In (org.  Pam Cook e Philip Dodd),  Women and Film: A Sight and Sound Reader,  pp. 224-31. Philadelphia: Temple University Press, 1993.

 Attile, Martina e Maureen Blackwood. "Black Women and Representation, Notes from the Workshops Held in London, 1984." In (org.  Charlotte Brunsdon) Films for Women,  pp. 202-8. London: BFI, 1987. 

 Bhabha, Homi K. "The Other Question—The Stereotype and Colonial Discourse." Screen 24.6 (November-December 1983): pp. 18-36.  

Cartwright, Lisa; Nina Fonoroff. (org.) "Narrative Is Narrative: So What Is New?" In Multiple Voices in Feminist Film Criticism, Diane Carson, Linda Dittmar, and Janice  Welsch, pp. 124-39. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1994. 

 de Lauretis, Teresa. Technologies of Gender: Essays on Theory, Film, and Fiction. Bloomington: Indiana University Press, 1987.

 Erens, Patricia (org.). Issues in Feminist Film Criticism. Bloomington: Indiana Uni versity Press, 1990. 

 Fusco, Coco. "Sankofa and Black Audio Film Collective." In (orgs.) Russell Ferguson, William Olander, Karen Fiss, and Marcia Tucker. Discourses: Conver sations in Post Modern Art and Culture. pp. 17-43. Cambridge: Massachusetts Institute of Technology/New York: New Museum of Contemporary Art, 1990. 

 Gaines, Jane. "White Privilege and Looking Relations." In (org. Diane Carson, Linda Dittmar, e Janice Welsch). Multiple Voices in Feminist Film Criticism, pp. 162-75. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1994.

 hooks, bell. Black Looks: Race and Representation. Boston: South End Press, 1992.

 Hull, Gloria T., Patricia Bell Scott, and Barbara Smith, (orgs.) All the Women Are White, All the Blacks Are Men, But Some of Us Are Brave: Black Women's Studies. Old Westbury, NY: Feminist Press, 1982.

 Jackson, Lynne, and Jean Rasenberger. "An Interview with Martina Attile and Isaac Julien." Cineaste 14.4 (1988): 23-37. 

 Klotman, Phylliss Rauch, (org.) Screenplays of the African American Experience. Bloomington: Indiana University Press, 1991. 

 Leab, Daniel. From Sambo to Superspade: The Black Experience in Motion Pictures. Boston: Houghton Mifflin, 1975. 

 Mercer, Kobena, (org.). Black Film/British Cinema, ICA Documents 7. London: BFI, 1988.

 Rich, B. Ruby. "In the Name of Feminist Film Criticism." In: (org.) Diane Carson, Linda Dittmar, and Janice Welsch.  Multiple Voices in Feminist Film Criticism, pp. 27-47. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1994. 

Texto: Foster, Gwendolyn Audrey. Women Film Directors - An International Bio-Critical Dictionary. Westport/Londres: Greenwood Press, 1995,  pp. 23-26.

N.do T: (*) no original e intraduzível herstorians, que é a junção do termo historiador (historian) com her, construindo uma palavra de significação feminina em relação ao termo original, mais facilmente identificado ao masculino (his)

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