O Dicionário Biográfico de Cinema#12: Robert J. Flaherty

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Robert J. Flaherty (1884-1951)
n. Iron Mountain, Michigan

1922: Nanook of the North [Nanook, O Esquimó] (d). 1925: Story of a Potter (d). 1926: Moana (d); The 24 Dollar Island (incompleto) (d). 1928: White Shadows in the South Seas [Deus Branco] (completado por e creditado a W.S. Van Dyke); Acoma, The Sky City (não lançado) (d). 1931: Tabu (co-dirigido com F.W. Murnau); Industrial Britain (d). 1934: Man of Aran [O Homem de Aran] (d). 1936: Elephant Boy [O Menino e o Elefante] (co-dirigido com Zoltan Korda). 1942: The Land (d). 1948: Louisiana Story [A História de Louisiana] (d).

A carreira problemática de Flaherty é perversamente mais rica para estudos que seus próprios filmes. Por ter pioneiramente dado forma ao documentário e elaborado linhas de batalha entre a convicção e o comercialismo,  Flaherty então permanece relevante em qualquer estudo do cinema de não-ficção. Enquanto vivo, seu calor e pureza visionária, carregando de emoção a opinião sobre si. Agora que, morto há quarenta anos, é mais fácil olhar para os filmes com objetividade e pôr Flaherty em perspectiva. Porém isso explica muito pouco. Os filmes são turbulentos com auto-contradições e com todas as questões doutrinárias que ainda confrontam documentaristas. Flaherty moveu-se algumas vezes com a severamente obstinada confiança de um explorador vitoriano. Possuía os defeitos de uma fé romântica no nobre selvagem e um olho para o pitoresco - em ambos os aspectos estava mais próximo do século XIX que desse, possuído desse curioso liberalismo que habilitou Ruskin a defender o Comunismo e apoiar o Sul na Guerra Civil. Porém os filmes de Flaherty indagam todas as questões intrigantes do documentário. É suficiente filmar o fato? Ou o fato é modificado pelo processo de filmagem? Caso seja, pode a câmera permanecer secreta, não visível, ou os eventos podem ser reconcebidos para transmitir a sua essência original? A questão que permanece não resolvida é se o próprio Flaherty apreciava tais mistérios.

A vida do homem é essencial. Filho de um mineiro, acompanhou seu pai em expedições pelo nordeste do Canadá antes de 1900. Aqui estão as raízes da autenticidade de Flaherty e de sua insistência em viver com seus objetos. Pode também ser dito que foi treinado em um espírito de zelo comercial vitoriano; seu carinho pelos nativos cresceu de um sanguinolento imperialismo inicial. Das minas, passou a explorar e efetuar mapas ao encargo da Canadian Northern Railway. Quanto mais se movia ao norte, identifica-se mais com os esquimós e realizou um filme privado de sua viagem a Ilha Baffin. A companhia de peles Revillon então financiou Nanook, filme que eventualmente seria distribuído pela Pathé.

Não é difícil sentir o impacto que Nanook fez. Até então, relativamente pouco tinha se feito para revelar os cantos da terra no cinema. O fato em si da filmagem e o rigor terrível da vida esquimó ainda provoca efeito. O imperativo da fome, a extensão de neve e gelo e as faces acidentadas de Nanook e de sua família eram as primeiras imagens amplamente divulgadas da vida rústica nas telas. Nanook é comovente por várias razões: Flaherty filmou-o virtualmente sozinho e, portanto, foi compelido a ser simples - o episódio da caça à foca é em longo plano-sequencia por conta de sua tensão. Também faz uso da profundidade, de uma forma que observamos a ajuda chegando a Nanook à distância. Além do que, a vida esquimó era tão lancinante ao ponto da quase estilização. No senso óbvio, preto no branco, a busca por comida sequestra todas as outras considerações. Portanto, se o próprio Flaherty foi um homem ingênuo, esse tema não expôs de maneira alguma seus limites. De fato, a coisa mais charmosa sobre ele é a simpatia entre Nanook e Flaherty, o modo pelo qual o esquimó sorri alegremente ao Grande Pai Branco e dirige a câmera, espontaneamente, para sua vida.

Jessy Lasky contratou então Flaherty para realizar Moana. Flaherty viveu por um ano na Samoa antes de filmar e fazer uso pioneiro de película pancromática, para capturar os tons de pele dos ilhéus. O filme se centrava em ritos de iniciação, e foi exoticamente belo, de uma maneira que Nanook nunca havia sugerido. Porém, o mais complexo sistema social na Samoa foi simplificado, pela visão de Flaherty, a existência em um paraíso. A descoberta pelo Capitão Cook dos Mares do Sul, ou de Typee, é dificilmente imaginada por Flaherty. Pela primeira vez, sua mitologia privada da vida nativa intrometeu-se.

A lenda diz que, na essência, Flaherty divergia da fabricação de histórias por Hollywood. Mas, na verdade, ele estava disposto a buscar uma visão heroica de seus materiais; e foi sua diligente preparação e relutância em colaborar que o levou a muitos de seus problemas. E esses problemas foram, em alguma medida, cortejados como provas de nobreza. Story of a Potter foi realizado para o Metropolitan Museum; The Twenty-Four Dollar Island foi um projeto fantasioso inevitavelmente abandonado. O primeiro choque sério acabou Deus Branco, a história de um homem branco, Monte Blue, nas Ilhas Marquesas, e eventual exploração dos nativos. Um projeto da MGM, foi filmado em locações e com as pressões do estúdio para apressá-lo e glamorizá-lo. Flaherty abandonou e foi substituído por W.S. Van Dyke. Ele foi para a Fox realizar Acoma, sobre índios Pueblo, mas o filme foi destruído pelo fogo.

Então veio o incidente mais notório de sua carreira. Ele juntou-se a F.W. Murnau para realizar Tabu, novamente filmado nos Mares do Sul. Eles não eram afins, ainda que o filme tivesse sido realizado sem finanças de estúdio. Flaherty foi um original, um descobridor, e um vidente, mas Murnau foi um artista profundo. Ele acusou Flaherty de estar fazendo um filme que facilmente poderia ser realizado em estúdio. Tabu é muito mais próximo de The Saga of  Anatahan/A Saga de Anatahan que do cinema antropológico. A incompatibilidade é triste, porém ela demonstra os limites de Flaherty.

Desapontado a respeito de  Deus Branco e Tabu, ele foi à Inglaterra e se juntou a John Grierson para Industrial Britain e Man of Aran [O Homem de Aran], que foi financiado pela Gaumont britânica. O último é uma obra extraordinária, épica em seu estilo visual, como uma paródia de seu tratamento de quão remota era Aran. Se nada além, Flaherty foi reencaminhado ao mundo dos povos primitivos e dele próprio - e ninguém mais. O filme é esplendidamente estúpido, bem mais que a própria vida limítrofe de Aran. Aqui, ao menos, Flaherty foi exposto como um homem que explorou para fugir. Ainda que Grierson tenha sido forçado a qualificar essa eminência solitária: "Um bem sucedido expoente do documentário não é, de forma alguma, obrigado a perseguir os limites da terra em busca da simplicidade dos velhos tempos, e as dignidades anciãs do homem contra o céu. De fato, se posso no momento representar a oposição, espero que o neo-rousseaunismo implícito na obra de Flaherty tenha morrido com seu próprio excepcional ego. Teoria dos naturais à parte, ele representa um escapismo, um lívido e distante olho, que tende em mãos menos apropriadas, ao sentimentalismo."

Nos quinze anos seguintes, Flaherty terminaria três projetos. Em O Menino e o Elefante,  estava comprometido como um talismã para garantir Sabu e o húngaro Korda contra o espúrio. The Land foi realizado nos Estados Unidos para a U.S. Film Unit e A História de Louisiana foi patrocinado pela Standard Oil. Desnecessariamente belo, parece cego ao conflito entre a prestigiada companhia petrolífera e a irracional preferência de Flaherty pela natureza crua. Foi filmado na Louisiana, mas é realmente ambientado em um mundo dos sonhos. Possui símbolos banais - a comparação dos pés descalços do rapaz e a metalurgia dos guindastes. Porém, é também a versão final da vigorosa imagem que passeia por toda a obra de Flaherty - de um homem rebocando algum objeto da água: em Nanook é um leão-marinho; em O Homem de Aran são as redes; em A História de Louisiana um jacaré. Tal repetição, e o poético enlevo que o acompanha, falam pela instintiva selvageria embebida no estilo romântico de Flaherty.

Texto:  A Biographical Dictionary of Film.  Londres: Knopf, pp. 3347-3359.



Comentários

  1. Gostaria de lhe sugerir a criação de uma «newsletter» para o seu blogue, por forma a que seja possível aos leitores(as) receberem comodamente na sua caixa de correio electrónico as publicações que faz neste espaço.

    Se não souber como fazer, deixo-lhe aqui um vídeo tutorial:

    https://www.youtube.com/watch?v=59maIZV3LBQ

    Aproveito para felicitá-lo pelo trabalho que aqui desenvolve, o seu blogue é extraordinário na divulgação de Cinema de qualidade.

    Cordiais cumprimentos
    Figueiredo

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  2. Pôxa, muito obrigado Figueiredo! Vou dar uma olhada nas suas indicações, não conheço nada sobre o tema. Porém de antemão tenho algumas dúvidas, tipo se a pessoa teria que se filiar para receber, pois não gostaria de importunar ninguém, tendo em vista que o meu blog é automaticamente atualizado todos os dias. Saudações cordiais!!

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  3. oK, já adicionei sua sugestão. Obrigado pela dica!

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