Filme do Dia: A Liberdade (2001), Lisandro Alonso
A Liberdade (La Libertad, Argentina, 2001). Direção e Rot. Original:
Lisandro Alonso. Fotografia: Cobi Migliora. Música: Juan Montecchia. Montagem:
Lisandro Alonso, Martin Mainoli & Natalia Blajeroff. Com: Misael Saavedra,
Humberto Estrada, Rafael Estrada, Omar Didino, Javier Didino.
Nesse que é o
primeiro, e talvez melhor, filme de Alonso, acompanha-se o cotidiano de um
jovem trabalhador (Saavedra) que vive de pequenos serviços e da caça que
empreende nos arredores. Há uma aproximação com uma estética realista que mais
que flerta com o documental e que se tornaria bastante presente em produções
posteriores brasileiras (tais como Um
Céu sobre os Ombros ou Andarilho).
Aqui, personagens que vivenciam situações bastante semelhantes em seu cotidiano
a representam diante da câmera, como se esta não se encontrasse presente. O
primeiro “diálogo”, na verdade a troca de informações objetivas, dá-se já mais
de meia hora do filme iniciado. Prefere-se observar sem pressa as ações do
jovem, derrubando e decepando árvores, defecando, esperando a caminhonete que
levará a madeira, assim como ele, que irá posteriormente negociá-la, o encontro
e captura ocasional de um tatu, que logo se tornará seu próximo prato. Com planos
que duram em média não menos que um minuto se constrói uma dimensão temporal
nada vulgar, ainda que sob o risco de cansar o espectador desavisado. Se o
filme se aproximaria do sonhado por Cesare Zavattini enquanto crônica de uma
“vida em que nada demais ocorre”, o resultado final é bastante distante das
incursões de Zavattini com De Sica, permeadas por uma urgência de denúncia
social. Porém, não há como negar que o filme se filia a uma outra vertente neorrealista,
a de Rossellini, acentuando sua anti-sentimentalidade e anti-paternalismo. Se
ainda mais radical encenação com um universo que transcende o estritamente
“diegético”, se é que possível ainda se falar aqui de algo do gênero, remete a
experiências como o brasileiro Iracema, uma Transa Amazônica, sua opção é bem distante do cinema moderno e se
aproxima da geração do realizador ao negar qualquer flerte com a alegoria. O
jovem encarnado por Saavedra, que posteriormente voltaria a colaborar com o
cineasta, a determinado momento, por exemplo, aparece bebendo uma garrafa de
refrigerante, cujo rótulo se encontra bem visível. Mas não se trata de uma
ironia com uma marca multinacional, como o símbolo da coca-cola estampada no
short de Iracema, do filme citado. Nem tampouco merchandising. Apenas uma simulação de pequenos atos do cotidiano.
Se tivesse estabelecido um sistema estilístico mais rigoroso sua obra poderia
igualmente ser comparada com a de um realizador como Pedro Costa. Não chega a
ser exatamente o caso, ainda que aqui se tenha o álibi de ser um filme de
estréia, como é o caso do desnecessário momento no qual a câmera abandona seu
protagonista deitado e viceja pelo matagal em rodopios pouco condizentes com o
tom ascético dominante. Porém, momentos como esses são uma exceção. Alonso não
prima por um esteticismo da imagem de padrões quase perversos em sua tentativa
de emular a sua figura retratada, como é o caso de Andarilho. 73 minutos.
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