Filme do Dia: Invasión (1969), Hugo Santiago

 


Invasión (Argentina, 1969). Direção: Hugo Santiago. Rot. Original: Hugo Santiago & Jorge Luis Borges, partindo do argumento de Borges & Adolfo Bioy Casares. Fotografia: Ricardo Aronovich. Música: Edgardo Cantón. Montagem: Oscar Montauti. Dir. de arte: Leal Rey. Figurinos: Julia Malfetani. Com: Olga Zubarry, Lautaro Murúa, Juan Carlos Paz, Martín Adjemián, Daniel Fernández, Roberto Villanueva, Lito Cruz, Jorge Cano, Ricardo Ornellos, Leal Rey.

Grupo de homens armados, cujo líder é Don Porfírio (Paz) tenta resisistir a invasão programada da cidade de Aquileia. Dentre eles se encontram o casal Irene (Zubarry) e Herrera (Murúa), que mesmo se relacionando a anos não sabiam que trabalhavam para a mesma organização.

Deleite para os olhos, assim como para ocasionalmente os ouvidos (seja com as milongas quase faladas, os tangos instrumentais ou algumas tiradas saborosamente literárias) essa produção parece observar qualquer cena como motivo para uma criatividade visual similar ou mais afinada que os melhores cineastas brasileiros contemporâneos, sem fazer alarde da mesma. Isso vai desde os ângulos que são reconstruídos a partir dos corpos de seus atores, de sofisticados planos/contraplanos – incluindo um deles entre o gato e Don Porfírio (sendo que também é observado alguns planos do ponto de vista que seria do gato) – e sobretudo um cuidado com a contraposição entre tons escuros e esbranquiçados em sua fotografia em p&b que por vezes mais parecem uma balé de semi-abstrações. Ou mesmo quadros de uma exposição, como quando o personagem trajando escuro se esbate contra as paredes alvas e a janela negra como sua figura, de onde se percebem os faróis de vários carros. Embora de um expressionismo que remete ao barroco wellesiano, tudo parece igualmente contido e dentro de sua proposta narrativa demasiado obscura. Sem falar que lida menos aqui com a profundidade de foco tão cara ao cineasta norte-americano que com uma sobreposição de imagens ao estilo do Primeiro Cinema, evidentemente mais bem conseguida. O mesmo vale para a superfície da lataria de um carro a se transformar quase numa abstração de um filme experimentalista.   Os planos-flashes demonstram uma virtuosidade de montagem que não se encontra à serviço da habitual representação de reações mentais de seus personagens como é o caso da utilização mais antiquada do recurso no contemporâneo Z. Aliás, se claramente existe uma referência política posta aqui, se dá em completa antinomia ao conhecido filme de Costa-Gravas, até mesmo por conta da censura à época, sendo que o filme só teve uma finalização de suas cópias sequestradas pouco após sua exibição de lançamento com essa versão, realizada 30 anos após sua filmagem. No plano dos engenhosos diálogos, o conquistador se despede com a resignada constatação que sempre enganara as mulheres, portanto não foi tão ruim assim que tenha sido uma a leva-lo para uma emboscada fatal.  Como em Godard, o cinema B norte-americano é observado num misto tributário-galhofeiro, mesmo que no último quesito não exista o deboche explícito da utilização de um cinema criticamente menos valorizado das cenas de filmes e de sua recepção em O Bandido da Luz Vermelha. E aqui, ao contrário de lá, o cinema se encontre quase lotado. A referência a Don Porfírio, por sua vez, remete tanto ao célebre ditador mexicano, como provavelmente tampouco deixa de lembrar sua ressignificação cinematográfica recente em Terra em Transe. Mesmo com todo o obscurantismo em relação a boa parte dos elementos de seu enredo, e soluções visuais nada convencionais, o filme trabalha com tropos bastante comuns ao universo do thriller de conspiração. Santiago foi assistente de direção de Bresson. Proartel S.A. 121 minutos.

 

 

 

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