Filme do Dia: Família Exótica (1937), Marcel Carné

 


Família Exótica (Drôle de Drame, França, 1937). Direção: Marcel Carné. Rot. Adaptado: Marcel Carné & Jacques Prévert, a partir do romance de J. Storer Clouston. Fotografia: Eugen Schüfftan. Música: Maurice Jaubert. Montagem: Marthe Poncin. Dir. de arte: Alexandre Trauner. Figurinos: Lou Bonin. Com: Louis Jouvet, Françoise Rosay, Michel Simon, Jean-Pierre Aumont, Jean-Louis Barrault, Nadine Vogel, Pierre Alcover, Henri Guisol.

Londres fin de siécle. Um botânico,  Irwin Molineaux (Simon), e sua mulher Margaret (Rosay), abandonam a residência em troca de um hotel no bairro chinês, por conta da presença do insistente e inoportuno primo de Irwin, Soper (Jouvet), e temendo que ele descubra que se encontram em má situação financeira. Soper possui uma cruzada contra a literatura policial e, particularmente o escritor Felix Chapel, que vem a ser um pseudônimo para ninguém menos que o próprio Irwin. Com apenas a criada em casa Eva (Vogel), que possui o leiteiro Billy (Aumont) como principal admirador, Soper chama a Scotland Yard desconfiando que Margaret foi morta por Irwin. Enquanto isso, um assassino que se disse inspirado pela obra de Chapel, Kramps (Barrault), apaixona-se por Daisy, pseudônimo criado por Margaret.

Distante, mas nem tanto, dos dramas fatalistas e enevoados que foram dentre os responsáveis pelo que veio a ser denominado Realismo Poético, e que lhe fariam a fama posteriormente,  Carné abraça de corpo e alma a farsa, com resultados não mais que medianos. Fazendo uso de uma cenografia em nada muito distinta da habitual, mesmo a história se passando em uma Londres da virada do século, e dispondo de alguns luminares por frente e por trás das câmeras de então (Simon, Jaubert, Schüfftan), o filme pretende um respiro  de sua essência eminentemente teatral, proporcionada pelo código exagerado e não naturalista de seus atores que se movem e recitam os diálogos como bem estivessem em um palco da Comédia Francesa, através de um trabalho de câmera algo rebuscado, que se compraz em apresentar todo o ambiente onde ocorre a palestra ao início ou ainda mimetiza os movimentos do investigador de um lado para o outro. Que todo o sofrimento e sensacionalismo que sejam expostos advenha simplesmente de pruridos burgueses quanto a imaginar que o seu moliérenesco primo, a própria representação da hipocrisia moral, acreditaria estarem passando por dificuldades financeiras, é sem dúvida um exagero de licença farsesca. O mesmo vale para o verdadeiro exército de crianças do pastor. É pena que essas tiradas, por mais criativas que sejam, não se traduzam em efetivo humor. Numa das poucas situações verdadeiramente engenhosas, mesmo que talvez já contidas em sua fonte literária,  Irwin troca vantagens faroleiras com o assassino Kramps, e conseguindo sobreviver a sua fúria de matar o escritor, é guiado por esse para a mulher por quem se encontra apaixonado, ninguém menos que a esposa do mesmo. E na cena mais ousada e surpreendente do filme, Kramps é flagrado por Margaret como um fauno despido em meio a estufa de plantas de sua casa. É também digno de nota a forma como Margaret cede rapidamente aos avanços de Kramps anteriormente, sem saber que se trata do assassino, porém quando o reencontra em sua residência já recompôs completamente sua máscara de respeitabilidade burguesa, sendo esse talvez o maior achado do filme, de longe mais interessante que suas aborrecidas subtramas, sobretudo a que envolve Eva e Billy e que, tempos depois, seria o tipo de material a ser apropriado de forma mais cáustica, central e explícita por um realizador como Buñuel.  Da mesma forma, os papéis duplos, inclusive com nomes diferenciados abundam. Caso do marido, ao mesmo tempo botânico e escritor policial, de Margaret que vivencia seu lado romântico e sedutor como Daisy e do próprio Kramps, que não declara seu verdadeiro nome de imediato por motivos óbvios. Se o efeito de Buffington erguendo-se do sofá sem apoio das mãos é evocativo do vampiro de Nosferatu (1922), de Murnau, certamente deve mais ao uso feito por Jean Cocteau em seus filmes, embora aqui apareça mais deslocado que nas produções desses realizadores.  O minimalismo atencioso da trilha de Jaubert é demonstrado no momento que se acompanha a descida em saltinhos do bêbado Simon ao som de pequenos toques ao piano. E o nome Sctoland Yard é quase sempre pronunciado em simultâneo com uma fanfarra estrondosa. Pode ser considerado uma versão francesa das “comédias malucas” norte-americanas. Productoins Corniglion-Molinier para Pathé Consortium Cinéma. 94 minutos.

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