Filme do Dia: Anomalisa (2015), Duke Johnson & Charlie Kaufman

 


Anomalisa (EUA, 2015). Direção: Duke Johnson & Charlie Kaufman. Rot. Adaptado: Charlie Kaufman, a partir de sua própria peça. Fotografia: Joe Passarelli. Música: Carter Burwell. Montagem: Garret Elkins. Dir. de arte: John Joyce, Huy Vu & John Joyce. Figurinos: Susan Donym. 

Respeitado conferencista e autor de livros sobre atendimento a clientes, Michael Stone, viaja para mais uma conferência em Cincinnati. Ele se encontra com um amor do passado e o encontro é mal sucedido. Tem uma compreensão crescente do absurdo de sua vida e apaixona-se subitamente por uma jovem hospedada no mesmo hotel, Lisa. Porém, a vida segue. 

É na construção do estranhamento proto-esquizóide e kafkiano, como se o mundo fosse filtrado pela perspectiva de seu protagonista, algo recorrente na filmografia de Kaufman (roteirista de filmes como Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças)  que reside o maior atrativo dessa animação com bonecos em stop motion adulta e sem concessões. O estranhamento é favorecido pelo deslocamento e isolamento inicial de Michael, assim como pela frieza opressiva dos serviços de atendimento ao hóspede, algo que ironicamente é combatido pelo próprio Stone – e reforçado através de uma mesma voz masculina que acompanha todos os personagens, com exceção de Lisa e dele. Quando, em chave fora de compasso, a animação parece descambar para o completo absurdo de forma aparentemente não justificada, em pouco tempo se tem consciência  felizmente se tratar de um pesadelo. É uma convenção que acompanha o cinema em geral (e a animação) já de muito, mas aqui parece bem vinda. Porém o pesadelo real persiste na vida de um Stone que segue nesse sofrido descompasso entre desejo, subjetividade por um lado e o automatismo massacrante das ações cotidianas por outro. Tal como em Cassavetes, esse estranhamento se encontra a um passo da loucura (e o retorno a aparente normalidade do lar parece ser o lado ainda mais medonho desse pesadelo, em registro não muito diverso do final de Husbands). Algo que é maximizado no caso dele por se encontrar em franco confronto com o que mais parece em oposição ao sentimento individual que são as palestras motivacionais que Stone é uma referência e que se apresenta conflituoso ao ponto de prejudicar o raciocínio e a fala do calejado conferencista. E Lisa finda por se tornar um pretexto, em última instância, à epifania circunscrita e voluntariosa de  Stone, sendo essa menos algo surreal ou grandiloquente que um caso fortuito em um hotel – o momento que Lisa canta Girls Just Want to Have Fun, que se tornou conhecida na voz de Cindy Lauper – que ao final, já mal se sustenta ao se defrontar com hábitos comezinhos, como Lisa falar com a boca cheia. Paramount Animation/Starburns Ind. Para Paramount Pictures. 90 minutos. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Filme do Dia: Der Traum des Bildhauers (1907), Johann Schwarzer

Filme do Dia: Quem é a Bruxa? (1949), Friz Freleng

A Thousand Days for Mokhtar