Filme do Dia: Kuxa Kanema - Episódio? (1979), João Costa & Fernando Silva
Kuxa
Kanema – Episódio ? (Moçambique, 1979). Direção: João Costa & Fernando
Silva. Texto: Luis Patraquim.
Fotografia: João Costa & Edgar Moura. Montagem: Ismael Vuvo & Josué
Chabela.
A
visita do líder da MPLA (Movimento Popular de Libertação da Angola), Agostinho
Neto, espécie de equivalente de Samora Machel e sua FRELIMO [Frente de Libertação
de Moçambique] em outro país de colonização portuguesa, e que guerreou por sua
independência e conseguiu sua autonomia política em períodos próximos, toma
mais da metade da metragem desse cinejornal. Primeiro, observa-se um longo
trecho do discurso de Neto que demonstra ainda desconhecimento de como funciona
o país. Sua fala ocorre poucas horas após sua chegada, como ele ressalta. Seu
tom de voz e postura são em tudo e por tudo mais comedidos que de seu colega
Machel, e ambos vestem paletós e deixam de lado os trajes militares – que
Machel já passa a envergar quando falam a uma extensa multidão ao ar livre. Até
mesmo quando recebe elogios rasgados do colega, permanece com a mesma face
insondável do que seria um meio termo entre um sorriso protocolar e a indiferença.
A longa fala de Agostinho Neto, para não cansar o espectador demasiado, é
entremeada ocasionalmente com imagens filmadas em outro local e momento. Que
essa matéria seja seguida, sem nenhum aviso, como habitual, por outra em que as
pessoas lutam após uma espera de mais de meia hora, para conseguirem ter acesso
a um machimbombo (ônibus) em bichas (filas) descomunais parece um contraponto
irônico para o róseo discurso oficial. Mesmo que depois se junte um discurso de
antes da revolução praticamente inexistir transporte público na cidade, e que
os problemas que vigoram no momento do registro do curta sejam menores, pode-se
observar um teor crítico conjugado ao discurso oficial e vindo após esse, o que
torna ainda mais incisivo o efeito, sem falar que já havia sido tema, esse
mesmo motivo, e sem atenuações, de outro cinejornal. O discurso de um motorista
é muito significativo. Bastante articulado, o que ele aponta ter havido, desde
1974, com a saída dos portugueses, foi que diminui fortemente o quadro de
motoristas e a contraposição não parece ir além do discurso ideológico (‘a
necessidade de conscientização de que devemos nós carregar a própria empresa”),
mas aparentemente sem ressonância prática. Ele afirma, por exemplo, que a partir
dessa conscientização, passou a “melhorar a qualidade da nossa empresa. ” Que
melhorias foram essas, que seriam expostas com a mesma objetividade do declínio
com a saída dos portugueses, não sabemos, pois parte-se para outro bloco de
imagens. Já o motorista que se segue, parece complementar a fala do colega,
afirmando que a pequena quantidade da frota se devia a pequena quantidade de
quadro de pessoal e reposição técnica das peças (temas que já havia sido
elencado no outro curta, como o grande vilão do grande número de veículos
abandonados à sucata). A resposta agora, sela qualquer possibilidade de dúvida
quanto a efetividade ou não do Estado para resolver a questão. Uma imagem de um
ônibus articulado sendo retirado de um navio por um guindaste, complementado
por uma voz over afirmando que serão 40 como esse. O sacrifício econômico foi
grande, continua o locutor, afirmando que cada veículo equivaleria a 8 mil e
500 sacos de caju, demonstrando uma economia ainda que possui como objetos de câmbio comercial,
insumos básicos não industrializados. E para que não se pense que o discurso é
mentiroso, uma vasta panorâmica apresenta a frota de articulados ainda
aguardando o momento de serem içados para solo firme. Chega a ser tocante a
alegria de um depoente com a chegada dos novos machimbombos, embora ele dê seu
depoimento em pé, e numa lotação cheia, mesmo que não tão cheia, aparentemente,
quanto antes. INC. 20 minutos e 43
segundos.
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