Filme do Dia: Entre a Loura e a Morena (1943), Busby Berkeley
Entre
a Loura e a Morena (The Gang’s All Here, EUA, 1943). Direção: Busby Berkeley. Rot.
Original: Walter Bullock, a partir do argumento de Nancy Wintner, George Root
Jr. & Tom Bridges. Fotografia: Edward Cronjager.
Música: Hugo Friedhofer, Arthur Lange, Cyril J. Mockridge, Alfred Newman &
Gene Rose. Montagem: Ray Curtiss. Dir. de
arte: James Basevi & Joseph C. Wright. Cenografia: Thomas Little.
Figurinos: Yvonne Wood. Com: Alice Faye, Carmen Miranda, Phil Baker, Benny
Goodman, Eugene Pallette, Charlotte Greenwood, Edward Everett Horton, Tony De
Marco, James Ellison, Sheila Ryan.
Um sargento do exército, Andy (Ellison) se apaixona
por uma corista, Edie Allen (Faye). O problema é que ele já é comprometido com
uma garota, que conhece desde criança, Vivian (Ryan), filha do casal Peyton
(Horton e Greenwood), amigos de seu pai (Pallette), que foi fotografado em um
não muito afamado nightclub ao lado da cantora e dançarina brasileira Dorita
(Miranda).
Se a insipidez da comédia musical é o mesmo dos
outros filmes que a Fox produziria naqueles anos, Berkeley demonstra a força de seu estilo, em oposição ao anêmico e
praticamente nulo de nomes como Walter Lang e Irving Cummins, apresentando já
na sua abertura um verdadeiro tour de force mesclando virtuosos planos-sequencias, a
descoberta após vários minutos que todas as extravagâncias que ocorrem se dão
em um palco teatral e a presença de várias imagens da mesma atriz reproduzidas
cantando uma canção da plateia
(antecipando algo do nonsense, com extrema habilidade técnica, de um filme como
Quero ser John Malkovich, em
décadas). Trata-se de uma dose de auto-referencialidade que posteriormente
evocará o próprio universo do cinema – “Não se faça passar por Don Ameche” diz
Faye para seu jovem galã, referindo-se ao galã com que contracenara
anteriormente em várias dessas comédias musicais. E, na mais divertida – e
engenhosa de todas (da qual Godard faria uso semelhante décadas após em seu Para Sempre Mozart) - Faye pergunta a seu novo amado se escuta a orquestra
se iniciar quando ela começa a cantar, tendo como resposta um sim que estranha
o ocorrido e ela responde com uma evocação
à imaginação, antes de fazer sua cara séria-soturna de sempre. Se o
universo das
big bands já havia sido inserido no
musical anterior com Carmen, Minha Secretária Brasileira, o fora de forma um tanto tímida com Harry
James. Aqui se tem um verdadeiro
frenesi, tanto em termos de dança quanto dos movimentos coreográficos da câmera, para representar a apresentação musical do
grande clamor musical do período, Benny Goodman. As extravagâncias, afora o
momento inicial, ganham talvez seu pique no número mais famoso cantado por
Carmen, The
Lady with Tutti-Frutti Hat, onde
as coreografias que formam abstrações dos braços e pernas femininos em
movimento se transformam em passaporte para uma série de bananas gigantes indo
de encontro a morangos ao centro, evocação não apenas fálica como do próprio
coito e com o emblemático final onde surge Miranda simulando sustentar um
monumental cacho de bananas, na imagem talvez mais icônica de toda sua carreira
cinematográfica. Não falta além de bananeiras (e bananas) estilizadas vários
miquinhos que se alternam entre essas e os homens de acordeon com quem
“trabalham”, numa mixórdia que remete ao que seria feito posteriormente pelas
escolas de samba no Brasil. Porém, mesmo nos momentos românticos, Berkeley
consegue extrair algo além das habituais back projections, aceitando sem vergonha a própria artificialidade
do cenário, não muito distante do de qualquer outro que representa os números
musicais de palco do filme e ainda tripudiando ao ter os outros que se
encontram próximos como plateia que aplaude o “número”. E, com tudo isso, ou
talvez por isso mesmo, consegue sinalizar para um mínimo pathos ausente das
outras comédias, em que tais situações amorosas parecem se encontrar somente
como peças acessórias da estrutura de suas narrativas. Dito isso, não quer
dizer que o filme não se renda ao status quo da época em que foi produzido,
desde a garota que se apaixona após uma primeira saída e fica esperando seu
homem retornar da guerra – e, inclusive, reproduzindo sua melancolia nos palcos
– ou ainda esse como herói de guerra e o espetáculo organizado tendo em vista
os bônus da mesma. Nesse caso, e talvez pelo avançar da guerra, esse é dos
musicais que Carmen Miranda participou no estúdio, o único que contém flertes
com a propaganda de guerra. E tampouco a solução para o impasse que motiva boa
parte do filme e lhe dá o título em português – Miranda, evidentemente, está
longe de ser a morena – pode ser adjetivada como algo mais que simplória. Por
outro lado, Berkeley foge ou efetua uma variação ousada em relação ao
tradicional final que todos cantam juntos, dispensando o redundante reencontro
do casal e enfatizando, no plano da imagem, o que já era sua marca registrada,
formações abstratamente caleidoscópicas numa sequencia que, guardadas as
devidas proporções, soa quase tão “psicodélica” quanto a do 2001 (1968), de Kubrick. Que o tema
romântico é mero pretexto para a presença de gags e números musicais, mesmo
articulado com certo sentido narrativo, torna-se claro com a presença de dois
membros do triângulo romântico bem depois na hierarquia dos créditos, em nível de
coadjuvância equiparável ao Bando da Lua e também em sua presença na imagem
final, em que dentre os “círculos” que preenchem a tela quem se encontra no
centro é Carmen Miranda. O número musical ambientado na belle époque com casais de crianças vestidos à caráter deve ter
provocado embrulhos em Faye, que detestava o filão de filmes do estúdio
ambientados nessa época que teve que estrelar. Twentieth Century Fox Film Corp.
103 minutos.
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