Filme do Dia: Bela Aldeia, Bela Chama (1996), Srdjan Dragojevic
Bela Aldeia,
Bela Chama (Lepa Sela, Lepo Gore, Servia-Croácia, 1996) Direção: Srdjan
Dragojevic. Rot.Original: Vanja Bulic, Srdjan Bragojevic & Nikola Pekajovic.
Fotografia: Dusan Joksumovic. Música: Laza Ristovski. Montagem: Petar Markovic.
Com: Dragan Bjegorilic, Nikola Kojo, Velimir-Bata Zivojiniv, Dragan Maksimovi,
Zoran Cuijanovic, Nikola Pekajovic, Dragan Petrovic, Milorad Mandic.
As aventuras e desventuras de Milan (Bjegorilic),
jovem sérvio antes, durante e depois da eclosão da guerra que assolou a
ex-república iuguslava a partir de 1992: sua amizade desde a infância com Halil
(Pekajovic), jovem muçulmano, que irá lutar do outro lado do front; a separação da família, a união e a amizade
que se forma no grupo - composto por homens de diversas nacionalidades e uma
mulher, jornalista americana - que se encontra sitiado no túnel onde Milan e
Halil, nunca entrarem com medo do bicho papão, túnel este inaugurado pelo
Camarada Tito em 1980, onde ficam tão sedentos que todos bebem um pouco da
urina de Milan; a fuga espetacular do túnel; a permanência em um hospital de
país neutro, onde Milan anseia ardentemente a oportunidade de assassinar um jovem
turco lá hospitalizado, etc.
Ainda
que descrevendo uma história que aconteceu na realidade, as preocupações do
filme se encontram longe do realismo tradicional. Brincando sempre com a
concepção realista tradicional, Bragojevic vai do realismo ao humor mais
desbragadamente anárquico já na abertura - em que um documentário em p&b,
que tem todos os indícios de ser “real”, se transforma em um pastiche colorido,
que finaliza com Tito cortando a própria mão, quando vai inaugurar o Túnel,
onde irá transcorrer a maior parte da ação do filme. Como a sutilmente
explicitar o quanto de ilusório pode se encontrar sobre a capa aparente do
“real”. Entre o humor irônico, barroco e
surrealista que se aproxima do de Kusturica em Underground (e, por
tabela, de Fellini) até a morte ou o sofrimento de encontrar a mãe assassinada
e enterrada no dia anterior quando retorna a vila onde morava (Milan) ou ter
sua loja sumariamente incendiada (Halil) é um passo. O filme utiliza-se
freqüentemente de uma forma original e irônica do flashback, conseguindo
ás vezes ser hilário, às vezes perturbador, desconfortável e tocante - como na
cena em que os amigos Milan e Halil discutem se haverá realmente guerra ou não,
quando já sabemos não só que a guerra ocorreu, como ambos já se encontram
mortos pela mesma. A narrativa passeia constantemente por quatro eixo
principais de tempo: as aventuras de Milan e Halil na infância, seja temendo
entrar no túnel, se aventurando a se aproximar de uma prostituta (que lembra Amarcord),
ou ainda observando casais adultos fazendo sexo (como na hilária cena em que
flagrando um casal fazendo amor, acabam sendo flagrados, como o casal, pela
notícia da morte de Tito, fazem força prá chorar, mas não conseguem); a
juventude dos amigos e sua discussão a respeito de se haverá guerra ou não, a
separação traumática das famílias; a experiência da guerra, onde o filme mais
se detém, concentrada no refúgio no
túnel, onde sofrem toda sorte de torturas física e psicológicas por
parte dos muçulmanos e onde todos morrem, salvando-se apenas Milan e um
companheiro intelectual que era apelidado de professor. E também onde Milan
reencontra brevemente Halil, que fazia parte da ofensiva contra o túnel, e que é
morto por uma bomba quando conversava com ele; a convalescença no hospital,
onde após um esforço sobre-humano, Milan consegue se dirigir até o leito onde
se encontra o jovem turco com um garfo - aproveitando a saída rápida das duas
enfermeiras com o soldado de plantão para se divertirem em uma sala ao lado -
com o intuito de matá-lo, seguido pelo professor que pretende detê-lo e, no
final, morrem só com o esforço. Ainda
que pesado e com um humor extremamente ácido, assim como se detendo
excessivamente no conflito do túnel, não há como negar força e originalidade
proveniente dessa nova cinematografia e não há também como pedir algo mais leve
de um país que sofreu tantas atrocidades e massacres tão recententemente. Para
os espectadores que não se encontram profundamente inteirados do conflito civil
na ex-Iuguslávia, muitas das alegorias com que Bragojevic trabalha permanecem
obscuras. Prêmio de melhor filme na Mostra Internacional de Cinema de São
Paulo. Cobra Film/NCR/RTS. 125 min.
Comentários
Postar um comentário