The Film Handbook#154: Dusan Makavejev
Dusan Makavejev
Nascimento: 13/10/1932, Belgrado, Sérvia, Iuguslávia
Carreira (como diretor): 1953-
Nos anos 60, Dusan Makavejev, um dos realizadores europeus mais originais e provocativos parecia ter estabelecido uma carreira expressiva. Falhando em cumprir sua promessa inicial, no entanto, seu peculiar senso de humor e interesse nas relações entre sexualidade e política tem sido enfraquecida por uma crescente auto-indulgência.
Após estudar psicologia e cinema, Makajevev passou uma década realizando curtas e documentários, frequentemente experimentais em sua forma. Em 1966, sua estreia em longa-metragem, O Homem Não é um Pássaro/Covek nije Tica, anunciava um novo talento ao mundo. Seu enredo frouxo e elíptico (um operário fabril se apaixona por uma garota que, por fim, o trai com um motorista de caminhão) era repleto de ambiguidades, contrastando os antiquados conceitos de amor do homem com as perspectivas muito mais liberadas da garota, dentro de um contexto social claramente definido que empresta à ficção um ar de documentário. Ainda mais refrescante e efetivo foi Switchboard Operator/Ljubvani Slucaj ili Tragedja Sluzbenice P.T.T. >1, no qual novamente recorria a uma relação condenada (entre a garota do título e um matador de ratos) para construir um retrato multifacetado da Iugoslávia contemporânea. Fragmentando a narrativa em breves episódios não cronológicos, intercalando-os com todo tipo de digressões (leituras sobre sexo, higienização e crime; cenas de arquivo de manifestações e demolições de igrejas ) engenhosas e aparentemente irrelevantes, mas de fato grandemente pertinentes, Makavejev construiu um ensaio franco-atirador sobre as questões da opressão e da liberdade, o Estado e o indíviduo, o passado e o futuro. O resultado, ao mesmo tempo comovente, provocativo em termos de pensamento e divertido, também desenvolve uma tolerância raramente generosa por diferentes modos de vida.
Inocência Desprotegida/Nevinost bez Zastite abandonava completamente uma trama, consistindo de filmagens de um desarmadoramente ingênuo primeiro filme sonoro sérvio, ambientado durante a ocupação nazista por um audacioso homem de músculos; entrevistas com membros sobrevivents da equipe técnica e elenco do filme, e imagens de arquivo do conflito entre comunistas e nazistas. Mais um deslumbrante exercício formal em colagem e montagem que um retrato maduro das várias formas de inocência, seus métodos extremos deram origem à complexa dialética do hoje datado W.R. - Os Mistérios do Organismo/W.R. - Misterije Organizma>2. Filmado em parte nos Estados Unidos, em parte na Iuguslávia, agrupava várias cenas não ficcionais que explicavam e ilustravam as ideias do psicólogo Wihelm Reich (que observava a liberação sexual como o verdadeiro objetivo do Comunismo) com a cena de sedução de uma garota transbordante dos ensinamentos de Reich de um reprimido patinador russo. Novamente entrevistas, imagens de arquivo, ficção, slogans e assim por diante são entremeadas com efeito divertido, ainda que a utilização de hippies e da fisicalidade tendem a depreciar a sua seriedade subjacente de propósitos. Após o vastamente banido Um Filme Doce/Sweet Movie (que contrapunha uma mental e sexualmente traumatizada Miss Mundo com uma puta grandemente alegórica, que comanda um barco com Marx como seu timoneiro enquanto mata seus amantes), ele foi incapaz de realizar outro filme por uma década. Felizmente, Montenegro>3, apesar de leve e mais convencional que sua obra anterior foi uma comédia de costumes astuta, criativa e divertida, ambientada na Suécia, com uma dona de casa rica, mas entediada, redescobrindo a paixão sexual em um desavergonhadamente festivo bar utilizado por trabalhadores imigrantes. Desde então, no entanto, o diretor parece ter perdido seu senso de direção, com tanto Coca-Cola Kid/The Coca-Cola Kid (sobre as tentativas desastradas de um vendedor de bebidas americano de eliminar a competição na Austrália) e a sátira política/brincadeira sexual Manifesto por uma Noite de Amor/Manifesto, arruinados por enredos vagos, interpretações irregulares e uma generalizada inconsequencia.
Por todo o charme de seu ainda atrativo senso de humor, pode ser que Makavejev, estimulado pelo espírito rebelde dos anos 60, tenha empacado com a disseminada apatia sexual e política. Não obstante, enquanto um dos realizadores experimentais mais engenhosos e acessíveis dessa década, merece séria consideração.
Cronologia
Similaridades entre Makavejev e Godard são superficiais, frágeis e incapazes de propiciar paralelos interessantes; como em Brecht, o uso de estratégias de distanciamento do iuguslavo serve para elucidar mais que mistificar. Eisenstein pode ser observado como uma influência em sua montagem, Chris Marker e Oshima enquanto relações distantes no desenvolvimento da forma ensaística no cinema.
Leituras Futuras
Second Wave (Londres, 1970), org. Ian Cameron; Directors and Directions (Londres, 1975), de John Russell Taylor
Destaques
1. Switchboard Operator, Iuguslávia, 1967 c/Eve Ras, Ruzica Sokic, Slobodan Aligrudric
2. W.R. - Os Mistérios do Organismo, Iuguslávia, 1971 c/Milena Dravic, Jagoda Kaloper, Ivica Vidovic
3. Montenegro, Suécia, 1981 c/Susan Anspach, Erland Josephson, Per Oscarsson
Texto: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres: Longman, 1989, pp. 183-4.
vi os filmes de makavejev tem uns dois anos já eu acho. nunca me esqueço de quando assisti o W.R. Mistérios do organismo e o sweet movie -- que já curto menos apesar do barco icônico e o algumas cenas inesquecíveis.
ResponderExcluirmas cid, fiquei me perguntando o pq de tu achar o w.r. datado. pelo qu'eu lembre dele minha sensação era mais de um frescor do que algo datado. conta mais.
Oi Raian. Então esse texto é uma tradução de um crítico britânico, o Geoff Andrew e a minha resenha sobre o filme também faz referência a aspectos "datados" na obra em relação a sua abordagem da contracultura no calor do momento...mas devo confessar que vi esse filme há bem bem bem mais tempo do que você. Reiterando, não é o filme, mas algumas soluções encontradas pelo realizador nas impressões que tive do filme sei lá quanto tempo atrás... que me soaram datadas. essas resenhas são de uma coleção que venho escrevendo faz vinte anos. Tenho uma simpatia especial pelo "Inocência Desprotegida", que cheguei a escrever um artigo acadêmico sobre. O "Sweet Movie" eu nunca vi. Seja bem vindo, meu caro!
ResponderExcluirSem falar que as duas pedras fundamentais que orientavam o cinema de Makavejev mudaram muito de lá para cá - a abordagem do sexo pelo cinema e pela sociedade e a divisão do mundo nas esferas capitalista e socialista. O que havia de potência anárquica na mistura dessas duas coisas foi se diluindo e quando chega a caretice dos anos 80, ele consegue realizar um filme muito bom (ao menos pelo que me lembro, pois faz mais de vinte anos com certeza que o vi, foi em vhs e tal) e diferente da sua obra dos anos 70 que é "Montenegro" e depois se perde completamente. É triste, por exemplo, que alguém do calibre do talento dele tenha realizado seu último filme em 1996 ainda estando vivo até hoje, mas talvez tenha a ver com isso. não tenho notícias sobre ele faz muito tempo, mas ele deixou de produzir para o cinema com 64 anos, relativamente novo.
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