Filme do Dia: A Queda de Berlim (1950), Mikheil Chiaureli


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A Queda de Berlim (Padeniye Berlina, URSS, 1950). Direção: Mikheil Chiaureli. Rot. Original: Mikheil Chiaureli & Pyotr Pavelenko. Fotografia: Leonid Kosmatov. Música: Dmitri Shostakovich. Montagem: Tatyana Lykhachyova. Dir. de arte: Vladimir Kaplunovski & Aleksei Parkhomenko. Com: Mikheil Geloveni, Boris Andreyev, Marina Kovalyova, V. Savelyev, G. Timoshenko, A. Urasalyev, Nikolai Bogolyubov, Jan Werich.
A jovem Natasha (Kovalyova), apaixonada pelo operário padrão Alexei (Andreyev) abandona seu namorado, o pianista Kostya (Timoshenko)  . Alexei havia sido convidado para uma honra inimaginável, conhecer Josef Stálin (Gelovani). Quando tudo parecia ir as mil maravilhas, no entanto, Natasha e Alexei sofrem ferimentos de estilhaços de bombas jogadas pelos nazistas.  Após três meses insconsciente, Alexei soube que Natasha fora capturada pelos nazistas.

Esse pavoroso e grandiloquente épico sobre a derrota alemã pela União Soviética atesta tal e qual a própria União Soviética enquanto nação, o quanto a burocracia oficial do Partido corresponde a um equivalente enrijecimento completo de toda a vibrante estética que acompanhara os filmes de vanguarda produzidos nos anos 1920. Aqui, nos artificiais tons pastéis (em Agfacolor adquirido com a própria Alemanha derrotada) se estrutura uma típica dupla narrativa, onde o melodrama do casal principal não deixa de espelhar a liderança do líder carismático do qual se pretende fazer Stálin, mostrado aqui no primeiro encontro com seu alter-ego mundano, Alexei, como simpático e coloquial, na medida do possível. Quando se pensa como as tramas da guerra e da história particular do casal russo  irão se enredar, após um prólogo que parece mais afeito a desenvolver o tradicional triângulo amoroso, a cena do bombardeamento do campo onde se encontra o casal logo o demonstrará de forma abrupta a mudança de chave do filme, ficando o drama pessoal em segundo plano até o final – e a imagem última de um Stálin tal como um busto vivo obscurece o previsível reencontro do casal, onde Natasha reencontra no mesmo momento não apenas o grande, mas igualmente o pequeno Stálin, seu amado Alexei. Aliás, a própria troca de parceiros pela heroína é uma clara indicação da valorização do operário sobre o galã burguês típico que é o pianista erudito, inclusive fisicamente – enquanto o pianista possui traços físicos mais suaves e cosmopolitas, Alexei é um típico russo gordo e rude. Do sofrimento russo –a nação que mais perdeu vidas na Segunda Guerra – é mostrado muito pouco. No seu prólogo, que sugere uma cena pastoral e idílica se soma a imagem o imenso número de fornos industriais ao fundo, símbolo do progresso e modernidade. Toda a inventividade dos anos de ouro da vanguarda soviética são aqui substituídos por panorâmicas e travellings burocráticos e por um preciosismo visual oco – como na cena em que as nuvens são espelhadas na água do rio e parecem enfatizar a melancolia de Alexei, apaixonado como está pela já comprometida Natasha. A figura de Stálin parece pairar soberana por todo o filme, mesmo que sua presença física seja relativamente pequena. E talvez por isso mesmo. O filme investe nas aparições do líder apenas em momentos cruciais da narrativa, sempre altivo e sóbrio. É seu retrato que se posta ao fundo do discurso em que Natasha engrandece Alexei, conquistando automaticamente seu coração, como que legitimando sua palavra assim como seu duplo na figura de Alexei. Seu discurso na Praça Vermelha ou (licença poética do realizador)  na Berlim dominada  parece ir muito além do que qualquer sistema de som permitiria. Dele se ouve elogios de grande liderança de um insuspeito filisteu inglês que negocia com Göhring. Esse e Hitler, evidentemente, são retratados com a caricaturização habitual. Hitler o delirante, patético quando a queda se aproxima e se observa sua intimidade, algo que se poupa a  a Stálin; Göhring é um espalhafatoso bufão que queima seu próprio traseiro na lareira de sua mansão não menos espalhafatosa, repleta de obras de arte de vários museus dos países conquistados. No seu afã de louvar Stálin e o exército e povo soviéticos o filme acaba limando qualquer possibilidade dramática, já que não há praticamente empecilhos para qualquer um dos avanços soviéticos, ou seja, inexiste propriamente conflito. Enquanto lembrança dos antigos filmes da vanguarda se pode evocar apenas o uso de multidões de extras, aqui sem o talento coreográfico de Eisenstein, assim como, em um breve momento, uma das piores características daqueles, a caricaturização fácil, tal como no momento em que Hitler encontra seus “cupinchas”, representados pelo Japão e pela igreja católica. Realizado para as comemorações do septuagésimo aniversário de Stálin. A bela interpretação de Savelyev como Hitler, talvez o mais impressionante de todos já retratados pelo cinema, pode ter influenciado a de Bruno Ganz em A Queda! As Últimas Horas de Hitler, que atualiza seu naturalismo para padrões mais convenientes com sua época. Foi lançado originalmente como dois filmes distintos.  A presença de um globo nos escritórios do ditador, por mais que tenha uma premissa histórica, também flerta com sua reapropriação conhecida no mundo do cinema (O Grande Ditador). Shostakovich, compositor erudito que havia trabalhado com Eisensetein, aqui teve que prover composições para as banais odes ao ditador. Goskino. 167 minutos.

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