Filme do Dia: O Pecado da Carne (1932), Lewis Milestone
O Pecado da Carne (Rain, EUA, 1932). Direção: Lewis Milestone. Rot. Adaptado: Maxwell Anderson, a partir da peça de John Colton & Clemence Randolph e do conto de W.Somerset Maugham. Fotografia: Oliver T. Marsh. Música: Alfred Newman. Montagem: Duncan Mansfield. Dir. de arte: Richard Day. Figurinos: Milo Anderson. Com: Joan Crawford, Walter Huston, Fred Howard, William Gargan, Mary Shaw, Guy Kibbee, Beulah Bondi, Walter Catlett.
Nas ilhas tropicais de Pago Pago, Sadie (Crawford), garota de má reputação, enfrenta a ira de um grupo de religiosos incomodados com sua presença e a atração que exerce nos homens do exército lá baseados. Comandando o movimento contra ela se encontra o pregador Alfred Davidson (Huston). Um dos soldados, de índole mais ingênua, O’Hara (Gargan), apaixona-se fortemente por Sadie. Após vários embates com Davidson, Sadie, que após pressão desse junto ao governador, recebe ordens de ser enviada de barco a San Francisco, onde cumprirá pena de prisão de três anos, aceita sua sina e se encontra disposta em ir presa. Quando O’Hara chega com a opção dela partir para Sidney, burlando o que havia sido acordado, ela afirma que espera Davidson. Esse chega no momento crucial. O’Hara, mesmo contrafeito, vai embora. Porém, na iminência do barco partir o corpo de Davidson é encontrado no mar pelos nativos.
Difícil imaginar, para as gerações que tem na persona cinematográfica de Crawford estabelecida por volta dos anos 50, fria, magnânima ou simplesmente cruel que duas décadas antes ela viveria papéis em que se ressaltava sua beleza e sex appeal como aqui ou em Possuída. As maiores qualidades dessa produção são o bem cuidado trato que o roteiro deu a adaptação e a ambiência atmosférica que remete aos trópicos úmidos, e mesmo encharcados, enquanto não apenas metáfora mas explicitação de fato de uma conduta moral bastante distante da puritana anglo-saxã, mesmo focando em uma figura que parece ser a própria afirmação dessa cultura pelo avesso, a prostituta de Crawford. A chuva do título original é presença constante, seja em poéticas inserções que ajudam a ritmar a narrativa, seja de forma mais trivialmente realista ou ainda ouvida e observada nos corpos molhados, e da qual quase percebemos o cheiro de terra e mata úmidas. E, numa jogada ardilosa, por momentos se pode pensar que toda a astúcia de Milestone com a construção atmosférica e encenação não impedem que, ao final de contas, enverede pela opção mais moralista possível, com o odioso e inflexível pastor hipócrita vivido por Walter Huston, em notável interpretação, finde por provocar a conversão da “alma perdida” vivida por Crawford, numa visão bem mais conservadora que a presente em filmes como No Tempo das Diligências (1939), de Ford. E isso mesmo sendo anterior ao Código Hays e o filme de Ford posterior. E, para ficar numa referência mais próxima, o anterior Deus Branco também trabalhara o choque de culturas, que sequer chega a ser efetivamente esboçado aqui. Porém, não é o que se sucede, e o final faz com que a arredia e vulgar Sadie emerja novamente, demonstrando o quão próximos são os extremos morais do puritanismo e da prostituição, do desejo de santidade e do prazer carnal. E em momentos anteriores a sugestão final que Davidson havia por fim sucumbido ao desejo por Sadie, o que haveria motivado seu suicídio, já ficava patente na ambiguidade da proximidade de seu contato com ela. Porém, ao mesmo tempo, a própria construção visual sinalizara algo trapaceiramente em sentido oposto, com composições visuais que reforçavam halos de luz a enfatizarem algo digno de uma epifania no momento em que o sermão do pastor comove Sadie ao ponto dela também começar a rezar e se ajoelhar diante dele. De forma sub-reptícia, como boa parte do cinema clássico pode ser interpretado, não se pode deixar de lado a possibilidade de se interpretar a conversão de Sadie como não mais que um jogo na qual enredará fatalmente o seu adversário. Feature Prod. para United Artists. 94 minutos.
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