Filme do Dia: Caiçara (1950), Adolfo Celi
Caiçara (Brasil, 1950). Direção: Adolfo Celi. Rot. Original: Adolfo
Celi, a partir do argumento de Alberto Cavalcanti, Adolfo Celi & Ruggero
Jacobi. Fotografia: H.E. Fowle. Música: Francisco Mignone. Montagem: Oswald
Hafenrichter. Cenografia: Aldo Calvo & Pierino Massenzi. Figurinos: Suzana
Petersen. Com: Eliane Lage, Abílio Pereira de Almeida, Carlos Vergueiro, Mário
Sérgio, Maria Joaquina da Rocha, Oswaldo
Eugenio, Adolfo Celi, Tetsunosuke Arima.
Marina (Lage) vive em um orfanato, ainda que
seus pais estejam vivos em um colônia de leprosos. Zé Amaro (Almeida) a leva
para viver com ele, após casarem. Ela passa a ser a sensação em Ilha Verde,
despertando a curiosidade de todos os ilhéus da pequena comunidade, sobretudo
de Manoel (Vergueiro), sócio de seu marido, que se torna obcecado por ela. O
rude e beberrão Zé Amaro passa dias fora de casa, farreando em Santos, sofrendo
Marina não apenas o assédio mas a invasão da própria casa por Manuel. Ela fora
alertada por Felicidade (Rocha) que deveria abandonar Zé Amaro, já que esse
matara sua filha e primeira esposa. Um sobrinho da falecida, o garoto Chico
(Eugenio) se torna próximo de Marina. Zé Amaro parte de barco com Manoel e esse
propositalmente faz com que a vela derrube o sócio, que fica no mar. Agora
viúva, Marina pretende ir embora da ilha. Subitamente chega no local o
marinheiro Alberto (Sérgio), amigo de Zé Amaro, que havia encontrado uma foto
dos noivos em Santos. A atração mútua entre ele e Marina é imediata. Manoel, no
entanto, fica inconformado e diz que vai contar para Alberto sobre a doença dos
pais de Marina. Essa, desesperada, antecipa a notícia para Alberto que vai
tirar satisfações com Manoel. Quando esse se recompõe da briga, persegue o
garoto Chico e o mata. Ele pretende imputar a culpa em Alberto, mas com o
cadáver é descoberto uma corrente que pertencia a Manoel. Esse se joga do mesmo
alto onde havia jogado o corpo da criança. A comunidade vela o corpo de Chico.
A primeira produção do estúdio demonstra que,
se houve um maior apuro técnico com sua inserção no cinema brasileiro, houve
igualmente a persistência de “males” ou peculiaridades que já datavam de outros
momentos no que diz respeito a elaboração de personagens e situações, senso de
ritmo e roteiro em geral, assim como interpretação dos atores. E, apesar de
toda a sua pretensão e verve esquemática, que soe talvez ainda menos crível que
o de produções da década anterior como Argila (1940), de Humberto Mauro,
o filme também guarda pequenos achados para quem souber encontrá-los, como a
Felicidade vivida por Maria Joaquina da Rocha, provável moradora local em sua
única participação para o cinema ou a Marina da então estreante Eliane Lage,
figura feminina emblemática e longeva (mais de curta carreira, praticamente
associada ao estudio), que surge como um tipo relativamente avançado, longe de
somente passivo e sensual, a certo momento com os mamilos salientes sobre a
camisa apertada. Lage, mesmo com momentos de atuação inexpressivos e/ou
inadequados, consegue emprestar ainda alguma dignidade a sua personagem que
pode ter se espelhado na Bergman de Stromboli (1949), de
Rossellini. A forma como as situações
dramáticas são desenvolvidas, no entanto, é sofrível, surgindo meio como os
rompantes impulsivos de seus personagens, e o mesmo pode ser dito da aparição praticamente Deus Ex Machina do marinheiro que irá encontrar sua
“marina” em Ilha Verde, nome fictício para Ilha Bela, no litoral paulistano.
Seu modo de vestir (próximo talvez do perfil do moderno galã francês) e jeito
diferenciado da população local acena para um tipo “à altura” do que seria
esperado pela heroína, ainda que o esteio concreto para tanta pose –
aparentemente é um errante e sem emprego, conseguindo um bico na Ilha – soe
quase tão forçoso e pouco verossímil quanto o do operário da cerâmica no filme
de Mauro. Não menos forçosa é a inclusão do “colorido local”, com uma folguedo
popular atravessado momentaneamente por um Manoel que corre atrás de Marina,
sendo que parece mais evidente se perceber o oposto, ou seja, a inclusão do
festejo deliberadamente plantado em meio a narrativa como “pano de fundo
folclórico”. Ao final, tendo perdido anteriormente a filha e agora o neto,
Felicidade surge como uma imagem que resiste a mera função de compensação para
o amor do casal que o filme sugere, pois sua expressão de dor parece
transformar em mera retórica suas palavras de que a morte do garoto não fora em
vão e selara o amor do casal para um final algo ambíguo, menos exatamente feliz
que acenando para essa possibilidade futura. Destaque para a utilização
habitual de coadjuvantes e extras (arregimentados junto à população local) como
“coro” que comenta e observa a ação. Cia. Cinematográfica Vera Cruz. 92 minutos.
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