Filme do Dia: Uma Abelha na Chuva (1972), Fernando Lopes
Uma Abelha na Chuva (Portugal, 1972). Direção: Fernando Lopes. Rot. Adaptado: Fernando Lopes, baseado no romance de Carlos D´Oliveira. Fotografia: Manuel Costa e Silva. Música: Manuel Jorge Veloso. Montagem: Teresa Olga. Com: Laura Soveral, João Guedes, Zita Duarte, Ruy Furtado, Carlos Ferreiro, Fernando de Oliveira, Adriano Reys.
Álvaro Silvestre (Guedes) é um rude
camponês que se casou com uma aristocrata decadente, Maria dos Prazeres
(Soveral), que sente desprezo por ele, refugiando-se no teatro e nos romances
que reconta para as amigas. Certo dia,
Álvaro escuta na cozinha comentários maliciosos sobre o olhar que sua esposa
lança a Jacinto (Reys) pelo próprio cocheiro a sua amada, Clara (Duarte),
empregada filha do Mestre Antônio (Furtado), com quem pretende se unir. Mestre
Antônio, no entanto, tem outros planos para a filha, pretendendo um casamento
que o possibilitará salvar da ruína econômica, com um agricultor de posses. Sua
decisão toma prumo quando Álvaro, enciumado e impotente diante da esposa, a
quem só consegue enfrentar enquanto alcoolizado, vinga-se contando que flagrara
sua filha com Jacinto. Mestre Antônio induz o também empregado Marcelo
(Ferreiro), que já notara possuir interesses na filha, em matar Jacinto. Depois
de se desfazerem do cadáver, Marcelo é morto quando buscava fugir.
Admirável filme, cuja descrição da
relação de opressão doméstica e de posse nunca concretizada de fato (já que em
ambos os casos, inclusive por ser menos instruído, o homem jamais será capaz de
domesticar a subjetividade de sua esposa) da mulher é passível de várias
relações com o seu contemporâneo brasileiro São Bernardo, também
inspirado, como o nacional, em um
clássico literário do movimento conhecido como Neorrealismo, publicado em 1953.
Seus belos enquadramentos através da montagem de planos em câmera fixa
mesclados a uma câmera que por vezes vasculha o espaço, como que o tateando com
luvas de pelica – tal é a sensação de planos como, por exemplo, o das águas uma
lagoa – podem render imagens de mais de dois minutos, sendo que um desses se
repete parcialmente logo após seu fim. Dada essa sua montagem não linear e certos cacoetes de
estilo evidentemente influenciados pela Nouvelle Vaguee seus reflexos
modernistas ao redor do mundo, como a utilização da foto fixa em diversos
momentos, a narrativa pode não se encontrar delineada de modo tão claro quanto
no filme de Leon Hirzsman. Porém certamente é uma adaptação que consegue
construir de modo mais efetivo uma atmosfera, sobretudo dos elementos mais
essenciais do romance, como a decadência, culpa e a imobilidade de seus
personagens, do que adaptações literárias efetivadas pelo cinema brasileiro da
década anterior tais como Capitu ou Menino de Engenho. Mais do
que os próprios diálogos ou ações, é a paisagem taciturna e enevoada, belamente
fotografada em preto&branco, assim como o casarão aonde transcorre a maior
parte da história, visto de relance em um plano recorrente, que constroem uma
tradução visual para as questões postas pelo romance. O mais curioso é que
aqui, ao contrário da obra de Graciliano Ramos, os infortúnios do par central
não terão conseqüência direta sobre eles próprios, mas antes sobre um casal de
empregados que representava justamente um aceno de esperança e verdadeira
paixão. Devido a problemas de produção, o filme levou quatro anos para ser
finalizado. Existe uma outra versão, dez minutos mais longa, onde talvez se
encontre descrito o suicídio de Clara, presente no romance. Media Filmes. 65
minutos.
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