Filme do Dia: Fragmento de um Império (1929), Fridrikh Ermler
Fragmento de um Império (Oblomok Imperii, URSS, 1929). Direção: Fridrikh Ermler. Rot. Original: Fridrikh Ermler & Ekaterina Vinogradskaya. Fotografia: Gleb Bushtuyev & Yevgeni Shneider. Dir. de arte: Yevgeni Yenej. Com: Fyodor Nikitin, Lyudmila Semyonova, Valeri Solotsov, Aleksandr Melnikov, Emil Gal, Yakov Gudkin, Ursula Krug, Sergei Gerasimov.
Filimonov (Nikitin) é um soldado em trauma de
guerra desmemoriado que somente alguns anos após finda a mesma é que consegue
recuperar informações sobre o seu passado. Ele então passa a ter um trabalho e
busca pela mulher (Semyonova), encontrando-a casada com um outro homem
(Solotsov). Sua aparição súbita provoca a necessidade de uma decisão entre a
mulher permanecer ou não com o marido opressor com o qual vive.
Ermler conduz a utilização de recursos da
célebre “montagem soviética”, via de regra de forma mais convencional que os
mais conhecidos realizadores do movimento, representando os fragmentos – caso o
título fosse no plural bem mais caberia para essa utilização que para a artificial denominação que Filimonov dá ao homem que vive com sua esposa – de
montagem acelerada como os cacos de um império que já não mais existe na mente
confusa do ex-soldado. É logico que dada a forte conotação ideológica do filme,
como não poderia deixar de ser em tal produção, trata-se de um sentido
recriminador, do qual o próprio Filimonov é constantemente gozado por seus
colegas de trabalho, por ainda se mover diante de uma realidade completamente
outra, indagando sobre quem é o patrão, no pior momento da narrativa. Outras duas utilizações ao menos do recurso,
mais modestas e com outros sentidos, também se fazem presentes. Uma delas
acentua a pressão emocional do herói quando se torna o riso de todos na
fábrica. A outra apresenta o próprio vigor do processo produtivo e, no caso
dessa utilização em questão, sua organização remonta bastante ao contemporâneo O Homem com a Câmera (1929), de Vertov,
filme que sugere analogias como a desse momento, em que atividades manuais as
mais diversas são enfatizadas como também distinções, já que Vertov apresenta
fragmentos não do império, mas da própria sociedade soviética, sem esquecer
inclusive, ao contrário daqui, suas contradições. Ambas tem em comum o fato de
serem menos abertamente dispostas pela narrativa, já que sem a mediação de
Filimonov como motivação, mesmo que a
relativamente longa digressão que enfatiza as mais diversas atividades manuais
possa ser observada como uma espécie de “poética visual” equivalente ao
discurso do operário que explica a Filimanov a ausência de patrões. Como em
todas as narrativas do cinema de vanguarda soviético, a sua é a de não apenas a
recuperação de sua memória e
gradualmente de sua integridade pessoal – em um trabalho relativamente bastante
delicado de Nikitin, que mesmo quando a personagem se encontra em estado
catatônico ou alucinado consegue uma interpretação bem mais sutil que a maior
parte de personagens similares que inclusive lhe sucederam na história do
cinema – como de sua aceitação de uma nova sociedade que se move agora de forma
horizontal, sem a necessidade da postura serviçal e indigna que Filimonov
repete em vários momentos antes de não exatamente voltar à razão, mas de fato
adquiri-la com a Revolução; sem falar que o tratamento visual que é dispensado
a ele, com uma barba bem tratada e óculos ao final significando o seu novo
momento de integração social em relação a sua versão mais selvagem que lhe
antecede, ajuda bastante nessa transição. Se visualmente o filme possui uma
pujança estética bem acima da média da produção internacional que lhe é
contemporânea, como elaboração dramática consegue ser tão pueril quanto a fragilidade
dócil e ameninada de Filimonov, sempre tratado com condescendência e piedade
quando não com escárnio. A trilha sonora dessa versão de 1996, mesmo que bem
incongruente em sua elaboração, consegue senão traduzir ao menos evocar o
efeito de paralisia hipnótica vivenciado por seu protagonista, mudando tão
abruptamente, quanto abrupta é a mudança no curso da narrativa. Semyonova, que
surge de forma tão recorrente nos lapsos de memória do herói, findaria sua
carreira no média metragem O Rolo
Compressor e o Violinista (1961), de Tarkovski. Aparentemente a metragem
original do filme possuía mais de 20 minutos além dessa. Sovkino. 72 minutos.
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