Filme do Dia: Minha Rainha (1929), Erich Von Stroheim
Minha Rainha (Queen Kelly, EUA, 1929). Direção: Erich von Stroheim. Rot.
Original: Erich von Stroheim & Marian Ainslee. Fotografia: Paul Ivano.
Montagem: Viola Lawrence. Dir. de arte: Harold Miles. Figurinos: Max Rée. Com: Gloria Swanson, Walter Byron, Seena Owen, Sylvia
Ashton, Florence Gibson, Madge Hunt, Tully Marshall, Madame Sul-Te-Van.
O Príncipe Wolfran
(Byron) é um mulherengo que caiu nas graças de uma mulher que não o ama, mas a
quem não pode recusar, a Rainha Regina V (Owen). Na véspera do anúncio
inesperado de seu casamento, Wolfran se apaixona pela jovem aspirante à freira
Kelly (Swanson). Wolfran simula um incêndio no convento apenas para capturá-la
e levá-la ao palácio real. Regina os flagra juntos e humilha ambos, principalmente
sua rival, que pula nas águas do rio, sendo salva por um dos homens do palácio.
Kelly embarca para Der-el-Salem onde se encontra com a tia (Ashton) moribunda e
é instigada a substituí-la casando com o marido da tia, o maníaco Jan (Marshall). Como resiste
a ideia, torna-se proprietária do bordel da tia. É lá que Wolfran a reencontra
e, após o assassinato de Regina, a convida para viver com ele no palácio.
O
habitual senso de extravagância do realizador consegue apenas ser vislumbrado
nesse filme, que originalmente deveria durar quatro horas, na hora e meia que
restou tal como compilada por uma restauração efetivada em 1985. Infelizmente,
a parte sobrevivente é a mais “comportada” e convencional. Ainda assim, há
vários momentos em que Stroheim distila sexo e perversidade para além do
habitual, como é o caso da primeira aparição da rainha, completamente despida
em sua cama, o grupo de mulheres que persegue o príncipe em um automóvel
(aparentemente as melhores prostitutas de luxo de Hollywood da época) ou ainda
uma das partes do vestido de Kelly que cai diante de todo um batalhão de
homens, situação que marca definitivamente o encontro do príncipe com ela. E
Kelly, não se fazendo de rogada, ainda joga a peça para o príncipe. Apesar
disso, essa primeira metade do filme, parece em tudo se conjugar com o seu
objetivo principal, servir como veículo para Swanson, que o produziu. É em sua
segunda metade, infelizmente apenas esboçada, sendo sua maior parte
reconstituída com uns poucos stills,
que Stroheim de fato poria suas mangas de fora. Porém, ele foi despedido por
Swanson. Talvez nenhum plano observe melhor esse duelo de egos (capitalizado de
forma perversa por Billy Wilder quase um quarto de século depois, em Crepúsculo dos Deuses, no qual
transforma Stroheim em motorista de Swanson e inclusive exibe trechos desse
filme) do que o que Kelly desolada, com o habitual olhar dramático de então,
troca suas últimas palavras com a tia. Logo atrás de seu olhar suplicante, no
entanto, encontra-se o alucinado olhar de seu perverso marido, quase salivando
para pôr as mãos na moça. Aí se encontra concentrado o embate entre a carolice
piegas do romance entre príncipe e plebeia, típico da época e a anarquia
delirante e carregadamente sexuada típica do realizador. É nesse contraste literal
entre olhares, o do marido da tia e o de Kelly, que se corporifica também dois
olhares inconciliáveis sobre o que representaria o filme, resultando em que o
mesmo somente chegaria às telas após o lançamento do filme de Wilder, selando
de vez a interdição da carreira de Stroheim para qualquer projeto de semelhante
envergadura e o tornando proscrito basicamente a uma carreira como ator. A
seqüência no prostíbulo é o auge do naturalismo obsceno de Stroheim, através da
verdadeira apresentação da vulgaridade de suas duas prostitutas após a chegada
do velho. Seu risos debochados e suas tatuagens, assim como sua postura
corporal, parecem deslocados em seu tom explícito em relação a qualquer
representação semelhante pelo cinema da época, ainda por demais presos a moralidade
vitoriana estabelecida por Griffith. Sam Wood, Irving Thalberg e Edmund
Goulding são tidos como diretores não creditados que também trabalharam no
filme, provavelmente após a demissão de Stroheim. A exorbitância dos custos
desta produção que sequer chegou a ser lançada na época também pôs pôr terra
qualquer pretensão de Swanson continuar produzindo filmes – ela havia produzido
dois anteriormente, dirigidos por Raoul Walsh e Albert Parker respectivamente.
Gloria Swanson Pictures. 101 minutos.
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