Filme do Dia: Machuca (2004), Andrés Wood
Machuca (Chile, 2004). Direção: Andrés Wood. Rot. Original: Roberto
Brodsky, Mamoun Hassan & Andrés Wood. Fotografia: Miguel Juan Littin M. Música:
Miguel Miranda & José Miguel Tobar. Montagem: Fernando Prado. Dir. de arte:
Rodrigo Bazaes. Figurinos: Maya Mora. Com: Matías Quer, Ariel Manteluna, Manuela
Martelli, Ernesto Malbran, Aline Küppenheim, Federico Luppi, Francisco Reyes,
Luis Dubó.
No
Chile do auge da crise política de 1973, Gonzalo Infante (Quer), começa a
descobrir uma outra realidade completamente diversa da sua. Filho da elite
chilena, sua passagem pelo Colégio San Patrick, dirigido pelo Padre McEnroe
(Malbran), faz com que tome contato com jovens das favelas de Santiago como
Pedro Machuca (Mateluna). Gonzalo se divide entre o carinho da mãe Maria Luísa
(Küppenheim), uma dondoca que participa de passeatas anti-comunistas e se
encontra mais interessada em suas aventuras extra-conjugais com o rico Roberto
(Luppi) e o carinho de Machuca e da igualmente pobre Silvana (Martelli), com
quem a dupla vivencia suas primeiras experiências de cunho sexual. A
polarização radical do mundo político e o subseqüente golpe de estado que depõe
Allende não permitirá que Gonzalo consiga desenvolver o drama de sua
afetividade polarizada, já que a nova ideologia ditatorial expurga o Padre
McEnroe, simpatizante da experiência socialista e os que lá estudavam mesmo sem
possuírem maiores posses como Machuca.
Essa revisão amarga
e nostálgica do passado recente, de prováveis influências (auto) biográficas,
em seus melhores momentos consegue se afastar da visão sentimental e piegas da
amizade entre os dois garotos de realidades sociais distintas, transformando-se
em metáfora dos próprios interesses de setores da classe média chilena pela
proposta de Allende, sua idealização e dificuldade em levá-la a termo de forma
efetiva e não apenas afetiva. Nesse sentido, a complexidade das posições
políticas, do mais alto teor de conservadorismo a sua idealização de uma
sociedade outra em seu outro extremo, está ilustrada no impasse que o conflito
da reunião de pais e mestres no colégio. Do diálogo mais exacerbado se parte
finalmente para a violência e a repressão brutal que os militares infligem, por
exemplo, aos favelados, sendo que Gonzalo e Machuca são testemunhas do
assassinato de Silvana. Repressão que se torna onipresente e vigilante no que
diz respeito aos próprios costumes dos adolescentes, agora obrigados a portarem
cabelos curtos. Em seus piores momentos, por sua vez, o filme vai beber nas
fontes de um voyeurismo com o sofrimento dos mais necessitados, efeito
multiplicado pela dramaticidade da trilha sonora que acompanha tais cenas.
Porém a balança pende para o comedimento que, conscientemente ou não, trai os
limites que o projeto de “aproximação do povo” pelas elites latino-americanas
possuía, não muito distante do que se evidenciou no Brasil pós-1964. Assim,
Gonzalo não esboça qualquer reação emocional apressada aos ataques do pai
alcoólatra de Machuca quando este traça uma visão do futuro em que enxerga a
plena realização profissional do primeiro e a estagnação na mediocridade do
último. Por sua vez, o cineasta tampouco idealiza qualquer possibilidade de
contato entre os dois jovens que, expressando a própria realidade social mais
ampla de seu país, rompem o “flerte” proposto pela experiência
proto-socialista. O retrato da elite associada a um certo decadentismo sexual,
não muito distante de representações do Cinema Novo brasileiro, mesmo de forma
sutil, não possui em sua contraparte uma idealização oposta do “povo”,
igualmente prenhe de uma forte carga de tensão sexual (Silvana) ou ainda tendo
que lidar com os reveses da própria situação de pária (a mãe de Gonzalo
agredida por seu marido). Embora o interesse do protagonista por Machuca se dê
pela descoberta de outros valores diversos do seu, tampouco está excluído um
caráter subliminar homo-erótico, que não deixa de ser esboçado. 121 minutos.
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