Filme do Dia: Os Atores do Teatro Queimado (2005), Rithy Panh
Os
Atores do Teatro Queimado (Les Artistes
du Théâtre Brûlé, Camboja/França, 2005). Direção: Rithy Panh. Rot.
Original: Rithy Pahn & Agnés Sénémaud. Fotografia: Prum Mesa. Música: Marc
Marder. Montagem: Marie-Christine Rougerie. Com: Sok Ly, Pok Di Rama, Than Nan
Douen, Peng Phan, Bopha Chheng, Houen Ieng, Rotha Kév.
Em um teatro abandonado, grupo de atores em situação
precária relembra situações vividas no passado e do cotidiano atual no qual a
origem da refeição do dia seguinte não é segura. Uma mulher próxima ao grupo
até hoje toma medicações por conta do sofrimento emocional provocado pela morte
de boa parte de conhecidos pelo Khmer Vermelho, no massacre de 1975. Um dos
atores há anos não reencontra a mulher e os filhos e não tem coragem de
revê-los após tanto tempo. Outro ator, que interpretara o Cirano de Bergerac
anos atrás, demonstra ainda uma maior gana de continuar na luta pela
sobrevivência, fazendo bicos diversos como em comerciais. Porém, adianta que
seu futuro é completamente incerto, pois gradualmente sente que se encontra
preterido pelos atores mais jovens. Uma repórter (Chheng), por vezes, funciona
como mediadora.
Esse singular filme extrai sua força de diversos motivos,
principalmente ao retratar os personagens numa dimensão dramática e até
mesmo poética que raramente é observada pelo viés documental, ainda que todos
os “personagens” vivenciem seu próprio cotidiano e dramas, aproximando-se por
esse viés da etno-ficção de Jean Rouch. E essa acentuação do âmago dramático de
seus personagens, impossível de ser expresso pelos mecanismos ortodoxos do
documentário, torna-se ainda mais complexa quando se trata em boa parte de
atores e é grandemente auxiliada pela própria imagem do filme, mais próxima da
televisão que do cinema convencional assim como o próprio cenário em que vivem
tais personagens, um teatro incendiado que funciona igualmente como uma
poderosa metáfora tanto para a inexistência de incentivo governamental à
cultura quanto da violência que vitimou o país, e cujas consequências podem ser
observadas em quase todos os personagens. Porém, para além do caráter
testemunhal – a certo momento, a mulher que sofre do trauma da guerra revisita
o local onde fora torturada e vira uma mulher clamar por pão quando morria e
relembra de fatos que contara anteriormente de forma diferente (numa atitude
que possui paralelos com Shoah, de
Lanzmann) o que talvez seja mais tocante no filme seja o registro do cotidiano
incerto no dia-a-dia contemporâneo. Nesse sentido, talvez um dos momentos mais
belos seja o que o protagonista procura incentivar ao companheiro desestimulado
pela situação de penúria em um ônibus estacionado ou o que o mesmo personagem
dedica uma canção ao amigo em situação depressiva, cantando juntamente com ele.
O filme tampouco deixa de flagrar pessoas em situação ainda mais penosa que os
atores que vivem no teatro e suas imediações, tendo que sobreviver a partir de
sopas de legumes e morcegos durante a toda a semana. Ao mesmo tempo, o filme
apresenta o mesmo pudor de se render ao emocionalismo do reencontro do ator
separado há anos de sua família, lembrando nesse momento uma estratégia
semelhante de Eduardo Coutinho em Cabra Marcado para Morrer (1984). CDP/arte France Cinéma. 82 minutos.
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