Filme do Dia: Civilização (1915), Reginald Barker, Thomas H. Ince & Raymond B. West
Civilização (Civilization, EUA, 1915).
Direção: Reginald Barker, Thomas H. Ince & Raymond B. West. Rot. Original:
C. Gardner Sullivan. Fotografia: Joseph H. August, Dal Clawson, Clyde De Vinna,
Otis M. Gove, Deveraux Jennnings, Charles E. Kaufman, Robert Newhard &
Irvin Willat. Mùsica: Victor Schertzinger. Montagem: Thomas H. Ince, Hal C.
Kern, LeRoy Stone & Irvin Willat. Dir. de arte: Joseph H. August. Com:
Howard C. Hickman, Enid Markey, Lola May, George Fischer, Kate Bruce, Charles
K. French, Herschell Mayall, J. Barney Sherry, Jerome Storm.
O rei (Mayall) de um determinado país inicia uma guerra,
mesmo que boa parte da população, sobretudo no que diz respeito as mulheres,
seja contra. Um conde pacifista, Ferdinand (Hickman), cientista que havia
criado um submarino para destruir o inimigo, no último momento desobedece as
ordens de seu superior para afundar um navio de passageiros, amotinando-se e
provocando o afundamento do próprio submarino. Tal conversão, de fato, já havia
ocorrido sob influência de sua amada, Katheryne (Markey), membro de uma
sociedade secreta pacifista. Sobrevivendo em estado terminal, encontra-se com
Jesus (Fischer). Ferdinand inacreditavelmente, recupera sua saúde e consegue
mover multidões pregando a paz. É condenado a morte pelo rei. Quando vai
visitar Ferdinand, o Rei é acometido de visões de Jesus, que mostra para ele
todos os malefícios da guerra. Atormentado e arrependido, o Rei assina um pacto
de paz incondicional. A alegria volta a surgir em todas as partes do reino. Os
homens voltam para suas famílias.
Esta arrastada e tediosa pieguice grandiloquente, que bem
poderia ter sido inspirada no Intolerância (1916), de Griffith, se
não tivesse sido lançada alguns meses antes,
talvez hoje possa ser lembrada, quando muito, apenas por sua montagem
ultra-acelerada e pelas cenas que simulam naufrágio, pioneiras e bem
realizadas. Talvez a maior fraqueza deste filme, provavelmente a mais cara
produção norte-americana realizada então (batida pouco após pelo filme de
Griffith), quando comparado ao seu mais célebre contemporâneo, seja o caráter
eminentemente abstrato no qual toda a história é contada, mesmo que fosse uma
evidente mensagem para um mundo em plena I Guerra Mundial. Aliado a isso se
encontra o fato do melodrama aqui se espraiar para todas as ações do filme,
notavelmente na conversão do rei. Essas duas características drenam qualquer
possibilidade, seja de compreensão histórica dos motivos da guerra (aqui
surgindo como mero capricho do rei) seja de um moldura histórica objetiva ao
qual os personagens “menores” se debaterão em suas histórias eminentemente
melodramáticas, tal como surgem no filme de Griffith. Se no caso de Griffith,
esta relação entre a história mais ampla e os personagens localizados já se
tornava problemática, dada a extensão da empreitada, aqui ela nem chega a ser
posta de fato, dada a inanidade da representação histórica mais ampla.
Evidentemente a identificação de Ferdinand com Cristo, e buscando fazer do Rei
a figura de Pilatos, algo que não se sucede de fato, pois aqui ele o condena
literalmente à morte, é selada em sua visita ao céu, onde o filme tampouco
deixa de explorar a nudez, evocativa de ilustrações bíblicas, que voltaria a
ser explorada por Griffith e DeMille em seus épicos. O excessivo
sentimentalismo, uma das marcas registradas do realizador que talvez tenha tido
maior peso nesta produção, Ince, encontra-se presente a todo momento e pode
provocar momentos francamente patéticos na cruzada quixotesca do protagonista
(a certo momento percebido com uma auréola sobre a cabeça) para a paz ou ainda
buscar forçosamente a manipulação emocional através do uso de crianças. Uma das
críticas evidentes do filme, o da ciência ser utilizada para fins belicistas,
cujo exemplo contemporâneo era não só os submarinos mas igualmente os aviões,
aqui, como tudo o mais no filme, também é apresentada como capricho moral de um
indivíduo, assim como a própria legitimidade de se contrapor a hierarquia
militar por uma crença superior (literalmente, já que emanada da ordem divina).
As sobreimpressões, sempre evitadas por Griffith, surgem em diversos momentos
do filme, sobretudo para representar os espectros de Cristo e de seu novo
mensageiro sobre a terra, para não falar de outros achados visuais marcadamente
kitsches e inspirados novamente na
iconografia bíblica, como a da luz celestial que, a determinado momento,
ilumina Ferdinand e as pessoas de bem. Destaque para o uso ainda pouco
codificado de imagens representando a imaginação de um personagem, ao contrário
tanto do Primeiro Cinema que lhe antecede como do cinema clássico mais maduro.
Por dois momentos o filme apresenta imagens de ataque ao navio e somente depois
temos consciência que, na verdade, tratava-se de evocações do atormentado
Ferdinand. National Film Registry em 1999. Thomas H. Ince Corp./Triangle Film Corp. para Triangle. 78 minutos.
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