Filme do Dia: A Hora do Lobo (1968), Ingmar Bergman
A
Hora do Lobo (Vargtimmen, Suécia,
1968). Direção e Rot. Original: Ingmar Bergman. Fotografia: Sven Nykvist.
Música: Lars Johan Werle. Montagem: Ulla Ryghe. Dir. de arte: Marik Vos-Lundh.
Figurinos: Mago. Com: Max von Sydow, Liv Ulmann, Gertrude Fridh, Georg
Rydeberg, Erland Josephson, Naima Wifstrand, Ulf Johansson, Gudrun Brost,
Bertil Anderberg, Ingrid Thulin.
Alma
(Ulmann) relembra a época que viveu com o pintor Johan Borg (Sydow),
quando passam a morar em uma ilha
isolada. Inicialmente vivendo em harmonia,
após sete anos de união, a situação conjugal passa a ser cada vez mais
desintegradora. Certo dia, uma mulher avisa a Alma que ela procure pelos
diários de Johan. Essa passa a ler seu diário, enquanto ele se encotra ausente,
descobrindo, entre outras coisas, seu envolvimento com uma amante, Veronica
Vogler (Thulin). Certo dia, Johann é convidado ao castelo do Barão Von Merkens (Josephsson),
onde encontrará um grupo de decadentes aristocratas de meia-idade atolados em
sua própria insignificância e promiscuidade. Confuso e atormentado, Johann atenta
contra a vida da própria mulher e desaparece.
Com
grande habilidade, Bergman entretece realidade e delírio, passado e presente,
como já havia iniciado, de forma mais tímida, em O Silêncio (1962) e de modo mais vanguardista em Persona (1966). Aqui, os belos fades que pontuam a narrativa, em seu
início, sugerem uma narrativa grandemente clássica, o que é desmentida pela
continuidade do filme. Ainda nesse momento inicial fica patente a sua
preocupação em destacar o tempo e o martírio que é para Johan o seu vagar,
dividindo as madrugadas insone com a mulher e fazendo-o patente na própria
forma fílmica (a um certo momento ele conta, de relógio, o quanto demora a
findar um minuto, acompanhado em tempo real). O tormento das madrugadas tem seu
clímax na “hora do lobo”, próximo do amanhecer, horário em que o orgânico
parece se sobrepor ao cultural e a maioria das pessoas morrem e nascem. Da
mesma forma, utiliza virtuosamente a montagem paralela que detém-se entre a
leitura dos diários de Johan por sua mulher e os atos ocorridos, deixando vagos
se os eventos que ocorrem com Johan são em flashback
ou no tempo em que a leitura é efetivada. A partir do momento em que se
detém no período de confusão mental do protagonista, o cineasta utiliza-se de
diversos recursos para expressar o horror e a paranoia de Johan, expresso na
literal vampirização e canibalização de sua inventividade artística pelo grupo
que o circunda (a um certo momento, Gamla (Brost) afirma a uma inerte Alma que
possui uma parte importante de seu marido, referindo-se as obras que comprara e
que, aliás, nunca são reveladas pela câmera. Em outro, de grande inventividade,
Johan relata o crime que cometera a uma criança que o observava enquanto
pescava (filmada em intensas jump cuts).
Há um certo momento, uma das velhas aristocratas ao tirar o chapéu, também
retira a própria face. Em outro, quando finalmente reencontra Veronica Vogler,
morta e nua em uma sala vazia, seu rosto patético (maquiado de antemão pelo
anfitrião) ao percebê-la viva é vítima do riso de todos que se encontram
observando a cena. Nessa cena, também fica destacado o papel da própria câmera
(a patética figura de Johan/Von Sydow,
dirige-se inicialmente para o público, representado pela câmera), tendo já sido
acentuado no início e no final do filme, quando Ulmann apresenta-se como
narradora, olhando sutil e obliquamente para a mesma. Denso e autobiográfico,
sobretudo no momento em que Von Sydow recorda os castigos que lhe eram
infligidos pelos pais ou da apresentação da Flauta
Mágica, que o cineasta filmaria na década seguinte. As interpretações
estupendas de von Sydow e Ulmann - numa atuação comovedoramente sutil – a bela
fotografia e escolha de ângulos são fundamentais para o resultado final. A
atmosfera de pesadelo representada pelo filme voltaria a ser evocada em diversos filmes posteriores como Inverno de Sangue em Veneza (1973) de
Nicolas Roeg e O Iluminado (1980) de Kubrick, assim como o contemporâneo O Bebê de Rosemary, todos mais próximos
das convenções dos filmes de gênero. Um dos recursos modernos a que o cineasta
faz mão (e que Godard abusaria, sobretudo em filmes seus da década de 1980,
como Je Vous Salue, Marie) é a
inserção do título do filme em meio a narrativa. Por outro lado, sua habilidade
para mesclar universo pessoal e realidade, sem o temor de ser ocasionalmente
obscuro, pode ser equiparada a de poucos, como Tarkovski, em filmes como O Espelho (1974), que ainda adiciona a
essa mistura elementos históricos. Já o grotesco com que os personagens do
castelo são retratados evoca Fellini, enquanto a cena do encontro com Vogler
remete ao universo de Buñuel. Svenskfilmindustri. 97 minutos.
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