Filme do Dia: O Delito (1947), Alberto Lattuada
O
Delito (Il Delitto di Giovanni Episcopo,
Itália, 1947). Direção: Alberto Lattuada. Rot. Adaptado: Suso Cecchi D’Amico,
Aldo Fabrizi, Federico Fellini, Alberto Lattuada & Piero Tellini, a partir
do romance Giovanni Episcopo, de
Gabriele D’Anunzio. Fotografia: Aldo Tonti. Música: Felice Lattuada. Montagem:
Giulianna Attenni. Dir. de arte: Dario Cecchi. Cenografia: Luigi Gervasi.
Figurinos: Gino Sensani. Com: Aldo Fabrizi, Yvonne Sanson, Roldano Lupi, Ave
Ninchi, Nando Bruno, Alberto Sordi, Francesco De Marco, Amedeo Fabrizi, Gino
Cavalieri, Folco Lulli.
Roma, passagem do século XIX para o XX. Giovanni Episcopo
(Aldo Fabrizi) é um solitário funcionário público que leva sua vida sem maiores
supreseas, morando a quase duas décadas numa humilde pensão. Certa noite
enverga uma casaca feita especialmente para ocasião e decide sair. Diante de um
cabaré é influenciado pelo malevólo Giulio Wanzer (Lupi), que passa então a
rapidamente dominar sua vida. Primeiro, fazendo com que troque sua humilde
pousada por uma menos familiar, onde trabalha a sensual Ginevra (Sanson), assim
como manipula a herança recebida por seu pai. Giulio foge para a Argentina,
quando a polícia descobre sua negociata com uma jóia roubada. Ginevra
desaparece da pousada e da cidade. Giovanni vai a seu encontro e a pede em
casamento. Ela, no entanto, não abandona sua vida dissoluta e a troca pela
modorrência que enxerga em Giovanni. Ela engravida. A criança, mais apegada com
o pai, adoece. Giulio Wanzer retorna da Argentina e pretende levar Ginevra
consigo. Após empurrar o enfermo Ciro (Amedeo Fabrizi), ele desperta tal fúria em
Giovanni, que este o assassina. Após vagar a esmo com a criança volta a sua
velha pousada. Acolhido, logo recebe a visita da esposa. A notícia já se
encontra estampada no jornal. Giovanni decide se entregar por conta própria.
Lattuada consegue construir uma atmosfera decididamente
persecutória e mesmo kafkaniana ou
extraída de um conto de Allan Poe na primeira metade do filme, onde Episcopo se
vê completamente coagido e não consegue impor praticamente nenhuma restrição
aos avanços da figura malévola de
Wanzer. Ainda que a leitura efetuada se encontre longe do realismo que então
vivenciava seus dias de apogeu na produção contemporânea neo-realista, talvez
não seja má hipótese se observar a trajetória de D’Annunzio como uma
reprodução, em última instância, do temor conservador do abandono dos hábitos
burgueses ou da atração irracional que pode levar a perda de referenciais de
respeitabilidade associados à figura social, numa situação de colapso ou quase
colapso pessoal; nesse sentido, não seria infeliz uma comparação com a célebre
adaptação O Anjo Azul (1930), de Von Sternberg. Lattuada inicia e finda o filme com a mesma câmera subjetiva. No
início descrevendo de forma relativamente lenta o cotidiano pouco colorido do
protagonista. No final, apresentando seus passos finais para se entregar
voluntariamente à polícia. Caráter cíclico que também acompanha o belo still a
partir de um momento do filme que emoldura os créditos iniciais e finais.
Episcopo, ao final de contas, paga o preço por ter arriscado sair de sua
comedida rotina e quase parecemos escutar nas entrelinhas que foi ao virar as
costas para a gente simples (porém medíocre segundo Wanzer) mas correta, assim
como os pequenos passatempos que incluíam uma pequena tartaruga que ele perdeu
parte de sua alma. Essa, de fato, resistiu às intempéries, vicissitudes e humilhações pessoais. O retrato que é traçado de Wanzer ou de Ginevra não
poderia ser mais antipático ou vulgar. Nesse sentido a releitura de tais contos
morais por Fassbinder, com Lola, faz
com que nos identifiquemos menos com a figura da “virtude” associada a códigos
sociais tidos como mais exemplares, do
que com a figura transgressora da mulher que cimentou o caminho para o
cadafalso dos homens que ousaram atravessar a linha demarcatória que separa os
dois mundos, através de sentimentos e não apenas do desejo sexual em estado
bruto. Fabrizi, ator (e co-roteirista) seminal do cinema italiano do período,
incorpora bem seu amuado e ressentido Episcopo, assim como os outros dois
personagens principais vividos respectivamente por Lupi e Sanson, atriz de
origem grega em início de carreira. Assim como foi comum em produções dirigida
por Luigi Zampa e Roberto Rossellini, o compositor da trilha sonora também é um
membro da família, no caso aqui pai do realizador, enquanto o garoto que
vivencia o filho de Fabrizi, é de fato seu filho. Nino Rota, também colaborou com
a trilha, mesmo que não tenha sido creditado. Lux Film/Pao Film para Lux Film. 94
minutos.
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