Filme do Dia: O Falcão Negro (1926), Tod Browning


O Falcão Negro (The Blackbird, EUA, 1926). Direção: Tod Browning. Rot. Original: Waldemar Young, com intertítulos de Joseph Farnhan, sob argumento de Browning. Fotografia: Perce Hilburn. Montagem: Eroll Taggart. Cenografia: Cedric Gibbons & A. Arnold Gillespie. Com: Lon Chaney, Owen Moore, Renée Adorée, Doris Lloyd, Andy MacLennan, William Weston, Lionel Belmore, Peggie Best, Frank Norcross.
No mal afamado subúrbio londrino de Limehouse, dois irmãos possuem fama inversa. Um, Blackbird (Chaney), como rei das trapaças e dos malandros locais. Outro, Bispo (Chaney), como um caridoso bem feitor para com os mais necessitados. Tratam-se, na verdade, da mesma pessoa. Blackbird se apaixona pela artista de vaudeville francesa Fifi (Adorée), por quem o também trapaceiro, porém elegante, Bertie (Moore), apaixona-se. Fifi passa a ser cortejada por Bertie e fazem planos de casamento. Bertie decide abandonar seu passado criminoso em nome do amor, porém Blackbird, algumas vezes travestido de Bispo, não facilitará a sua vida. A ex-esposa de Blackbird, Polly (Lloyd), descobrirá a farsa, porém o medo de ser descoberto por todos acabará demonstrando ser desnecessário, pois ele morrerá logo a seguir.
Browning, que demonstra uma mais que segura utilização dos códigos do melodrama e um bom tino na direção de atores (com o então habitual Chaney como protagonista em um tour de force por vezes antecipando em décadas o tom over de atores como De Niro e uma adorável estrela, Adorée, que não conseguiu ressistir a passagem ao cinema sonoro por conta de sua origem francesa, morta precocemente, aos 35 anos) além de uma notável construção atmosférica. Como em seu Vampiros da Meia Noite (1927), um dos maiores trunfos do filme é a reconstrução em estúdio de uma estilizada vida noturna londrina, aqui repleta de seres decadentes e repulsivos que parecem ter saltado de um romance de Dickens. Menos notável pela breve caracterização naturalista de seus personagens, que pela longa seqüência em que irá estabelecer o triângulo amoroso, com uma engenhosidade e elegância que nunca apela para a violência aberta entre os dois tipos polares, o do rude rufião vivido por Chaney e o do afetado janota falsificado de Owen. Porém, ao mesmo tempo em que é o melhor momento do filme, também é um notável desvio de seu princípio, que parecia acenar para o recorrente e  por vezes tratado de modo extremamente virutoso (O Estudante de Praga, O Médico e o Monstro em sua versão de 1931) tema do duplo e do “espírito dividido” do protagonista. Aqui, ainda que tal tema permaneça secundário e prevaleça apenas para a inverossímil troca de personalidades que a pedra de toque para a persona cinematográfica de Chaney, dispensada aqui a maquiagem, ao final ele surgirá com toda a sua intensidade, fazendo com que Blackbird não apenas explicite o quanto  ele próprio se enredará de forma doentia e obsessiva nesse jogo – em essência espelho da própria profissão do ator – quanto sua morte sendo bastante simbólica da impossibilidade de lidar com o desmascaramento de sua vida dupla. A ironia  do tributo prestado pelos beneficiados pelas ações sociais de Bispo (situação que seria retrabalhada, de modo mais sofisticado, por Hitchcock em À Sombra de uma Dúvida) bem que poderia ter fechado o filme, sem a desnecessária e confusa menção final ao casal Bertie e Fifi. Destaque para a sutil ironia que acompanha o riso do benévolo Bispo, já traindo seu limite com seu outro “eu”, que é compartilhada apenas com os espectadores que desde o ínicio já são apresentados a duplicidade (ao contrário de Vampiros da Meia Noite).  MGM.  77 minutos.


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