Filme do Dia: Belinda (1948), Jean Negulesco
Belinda (Johnny Belinda, EUA, 1948). Direção: Jean Negulesco. Rot.
Adaptado: Irma Von Cube & Allen
Vincent, baseado na peça de Elmer Harris. Fotografia: Ted D. McCord. Música:
Max Steiner. Montagem: David Weisbart. Dir. de arte: Robert M. Haas.
Cenografia: William Wallace. Figurinos: Milo Anderson. Com: Jane Wyman, Lew Ayres, Charles Bickford, Agnes Moorehead, Stephen
McNally, Jan Sterling, Rosalind Ivan, Dan Seymour.
Na costa da Nova
Escócia, Belinda (Wyman) é uma surda-muda que é tratada como deficiente mental
pelo próprio pai, Black (Bickford), e ridicularizada por todos da pequena vila
de pescadores até a chegada do médico Robert Richardson (Ayres), que descobre
uma capacidade enorme não desenvolvida, pela vida precária em que leva. Ainda
que inicialmente céticos quanto aos progressos de Belinda, Black e sua irmã
Aggie (Moorehead), observam o desenvolvimento de Belinda com a ajuda de Robert.
Certo dia, no entanto, quando todos se encontram afastados, Belinda sofre
violência sexual por parte de Locky (McNally), noivo de Stella (Sterling),
ajudante de Robert, por quem nutre uma paixão secreta. Quando Robert descobre
que Belinda se encontra grávida, uma crise se instaura na família, mas que é
atenuada com o nascimento do bebê. Numa visita na surdina ao bebê, Locky deixa
evidente ser o pai e numa discussão com Black, mata-o. Belinda segue a vida,
agora com o convite de Robert, que se transferiu para Toronto, de ir viver com
ele logo mais. Stella tenta dissuadir Belinda a deixar o filho com ela, algo
que Belinda retruca enfaticamente. Locky então invade a casa e pretende levar o
filho à força, sendo morto por Belinda. No julgamento, Belinda somente é
inocentada após a declaração de Stella, de que Locky era o pai da criança e
havia invadido a casa.
Esse comovente
melodrama antecipa corajosamente muito dos dramas que posteriormente
tematizariam com relação a pequenas
comunidades ou mesmo cidades de grande porte contra indivíduos considerados
como de “perfil” diferente, numa subliminar crítica do fascismo existente nas
relações sociais cotidianas, que se tornaria implícita (Douglas Sirk) ou
explicitamente (Fassbinder, Lars Von Trier) o cimento do melhor do gênero. Sua
corajosa, mesmo que não explícita, abordagem do tema do estupro, enfrentado de
forma aberta somente na década seguinte com Anatomia de um Crime, demonstra uma maturação crescente com relação
a temáticas mais complexas e questionadoras dos valores sociais mais amplos que
sucede a Segunda Guerra Mundial e que logo será tolhida pelas perseguições do
Macarthismo. Wyman vive uma Belinda doce e destituída de maldade, que se torna
evocativa de personagens-vítimas clássicos da história do cinema (O Enigma de Kaspar Hauser, O Homem Elefante), mas não deixando de
demonstrar ser algo além de uma vítima passiva quando mata o homem que a
estuprara, matara o seu pai e pretendia levar seu filho. O elenco consegue
emprestar o tom correto para cada um de seus personagens, com a magnanimidade
do personagem vivido por Lew Ayres, a sofrida e seca, mas longe de destituída
de compaixão Aggie de Moorehead, o inescrupuloso Lock de McNally, mas sobretudo
talvez o rude Black, de Bickford que, juntamente com Wyman, torna seu
personagem marcante. Talvez o que exista de mais tocante, ao final de contas, é
que sua narrativa evidencia o quanto a mudança do status quo de um personagem marginal não poderá se dar sem uma
série de reações, que terminam por levar ao sangue e a dor, numa transformação
que bem poderia servir como metáfora para conflitos sociais mais amplos em
sociedades grandemente conservadoras, tal como presente igualmente em Sob o Domínio do Medo (1971), de Sam Peckinpah. As locações, que fazem – e bem – da California a província canadense
também são fundamentais na composição do provincianismo do vilarejo canadense,
como haveriam de ser posteriormente no filme de Peckinpah ou Lars Von Trier (Ondas do Destino, mesmo que Dançando no Escuro se aproxime mais do
filme de Negulesco, que dirigiria diveras produções escapistas coloridas e em
tela larga na década seguinte). Warner
Bros. 102 minutos.
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