Filme do Dia: A Carta (1999), Manoel de Oliveira
A Carta (A Carta, Portugal/França/Espanha, 1999). Direção: Manoel de Oliveira. Rot. Adaptado: Manoel de
Oliveira, baseado no romance La Princesse de Clèves, de Madame de la Fayette.
Fotografia: Emmanuel Machuel. Montagem: Valérie Loiseleux. Dir. de arte: Ana
Vaz da Silva. Com: Chiara Mastroianni, Pedro Abrunhosa, Antoine Chappey, Leonor
Silveira, Françoise Fabian, Anny Romand, Stanislas Merhar, Luís Miguel Cintra,
Catherine Deneuve.
A jovem aristocrata Catherine de Clèves
(Mastroianni), foi educada pela mãe distante dos costumes modernos. Rejeitando
o assédio de François de Guise (Merhar), da sua idade, casa-se com um homem mais velho (Chappey).
Porém, ainda recém-casada, numa apresentação do cantor de rock português Pedro
Abrunhosa, apaixona-se à primeira vista. Só tem coragem de revelar seus
segredos a amiga de infância, hoje freira (Silveira). A força para resistir a
tentação que representa Pedro é selada com a declaração da mãe em seu leito de
morte, que pede que Catherine não traia a honra da família e siga o exemplo das
mulheres de seu tempo. Com a insistente presença de Pedro em visitas a
residência dos Clèves, assim como o susto que a mulher reage à notícia sobre um
acidente com o cantor, o marido faz com que Catherine confesse seu amor não
consumado, o que provoca um desgosto mortal para o mesmo, que sucumbe em pouco
tempo. Sentindo-se grandemente culpada e, ao mesmo tempo, temendo que a paixão
que Pedro nutre por ela se dissolva após a união de ambos, Catherine prefere
abdicar de seu amor, mesmo sob os protestos de sua confidente freira e
desaparecendo de Paris. Abrunhosa, que havia se tornado vizinho de Catherine,
após a morte do marido, tenta em vão
através de Madame de Chartres (Fabian),
amiga da família, notícias da mesma. Após um certo tempo, Catherine escreve da
África uma carta para sua amiga freira, contando suas experiências de
assistência social que provocaram profundas marcas e um programado retorno para
a casa de campo.
Essa adaptação de
uma narrativa do século XVII para o cenário contemporâneo, pouca
diferença acarreta, no sentido de que o universo do potencial “triângulo
amoroso” guia-se pelo moralmente sublime da fonte literária, considerada como o
primeiro grande romance da literatura francesa. Se no caso de Catherine,
educada segundo um modelo grandemente tradicional, tal modelo seria, em último
caso, justificável, no caso de seu
marido e, principalmente de Pedro Abrunhosa (cantor português de sucesso que o
faz o papel de si próprio) soa forçoso. Porém esse termina por ser um dos
trunfos do filme, que não possui preocupações realistas, e que subliminarmente
parece apontar que certos temas e preocupações éticas podem transcender (ou,
pelo menos, assim deveriam, para a mãe de Catherine, e alguns poucos eleitos) a
história. O tom ascético com que Oliveira apresenta a narrativa (que evoca a
dos filmes de Bresson) consegue amortecer a própria inclusão de cenas do cantor
no palco e o choque que representam com relação aos cenários aristocráticos e a
deshistoricização da trama, embora a seqüência final tivesse sido mais bela se
concluída com a leitura da carta pela religiosa (num intimismo que lembra o da
seqüência final de Os Vivos e os Mortos) e não com uma música interpretada por
Abrunhosa. De qualquer forma, mesmo com a opção de explorar sem maiores
adaptações a moralidade de duas sociedades sob a distância de três séculos, uma
das qualidades do filme, raras no cinema,
é a recusa completa ao cinismo e da ironia na descrição dos personagens
que o compõem, mesmo que sob o risco do ridículo. Marina Vlady e Sophie Marceau
já haviam vivido a personagem de Cathérine de Cléves em duas adaptações
anteriores do romance, dirigidas por Jean Delannoy e Andrzej Zulawski, em 1960
e 1999 respectivamente. Wanda Films/Gémini Films/Madragoa Filmes. 107 minutos.
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