Filme do Dia: 20.000 Mil Léguas Submarinas (1916), Stuart Paton
20.000 Léguas Submarinas (20,000 Leagues Under the Sea, EUA, 1916).
Direção: Stuart Paton. Rot. Adaptado: Stuart Paton, a partir do romance Vingt Mille Lieues sous les mers de
Jules Verne. Fotografia: Eugene Gaudio. Dir. de arte: Frank Ormston. Com: Allen Holubar, William Welsh, Dan
Hanlon, Jane Gail, Curtis Benton, Joseph W. Girard, Martin Murphy, Edna
Pendleton.
Nemo (Holubar)
navega em seu submarino Nautilus afundando navios que o avistam e ganha fama
de estranho monstro marinho. Uma
expedição norte-americana, comandada pelo Prof. Aronnax (Hanlon) é enviada para
observar o fenômeno e são igualmente naufragados pelo submarino, sendo Aronnax, sua filha (Pendleton) e mais dois homens recolhidos e tratados
inicialmente como prisioneiros e, posteriormente, como hóspedes de honra do
Nautilus. Quando o Nautilus se encontra às margens de uma ilha, serve
mantimentos para a tripulação de uma excursão balonística que teve problemas
próximo da ilha. Membros da excursão encontram a Filha da Natureza (Gail) que lhe
revela ter sido abandonada quando criança pelo pai numa situação de tensão
iminente. A presença de um iate, que Nemo vem a saber se tratar de propriedade
de Charles Denver (Welsh), torna o local perfeito para sua esperada vingança e
motivo para atravessar os mares com seu submarino. Ele conta para todos que
Denver foi responsável por sua desgraça enquanto monarca de um reino muçulmano,
pela morte de sua esposa e desaparecimento de sua filha. A vingança é
perpetrada, Nemo reencontra a filha, que é ninguém menos que a garota
encontrada pelos expedicionários na ilha, mas seu coração fraqueja de tanta
emoção e, como cumprimento de seus desejos, seu enterro é realizado no local
que mais amou em vida: o fundo do mar.
Essa surpreendente
adaptação de Verne, que não chega a ser a primeira (Méliès já havia empreendido
uma em 1907), foi a primeira produção cinematográfica a fazer uso de filmagem
submarina – anteriormente as menções ao fundo do mar ainda faziam uso da
cenografia estilizada típica das produções de Méliès. Inicia com um prólogo que
destaca justamente a façanha devida aos cinegrafistas, George e Ernest
Williamson assim como presta seu tributo a Verne. Ao destacar esse feito
cinematográfico, ressaltado por prolongados minutos que representam o momento
relativamente breve no romance em que Nemo apresenta a seus convidados as
maravilhas do mundo submarino, assim como posteriormente pela seqüência de
passeio nos jardins das profundezas, o filme sem dúvida busca remeter a mesma
lógica de uma obra ficcional aproximada com as maravilhas do mundo científico.
Curiosamente, termina por desfazer boa parte da visão etnocêntrica previamente
sugerida. A “filha da natureza”, ao final de contas, era pertencente a uma
cultura estabelecida e Nemo, o criador do genial submarino, um muçulmano que
sofreu nas mãos dos ocidentais. O filme faz questão de frisar que esse rocambolesco
“flashback” que explora o passado orientalista de Nemo foi “mantido em segredo”
por Verne, tratando-se, portanto, de uma licença poética ou extravagante do
próprio filme. Aliás, no aspecto visual e narrativo o filme é igualmente
surpreendente. Mesmo que se torne relativamente preso ao emaranhando e diversidade
de subtramas e profusão de personagens, é bem construído em termos de uma
decupagem que aponta para o cinema clássico. Com relação ao etnocentrismo mais
escancarado de produções como as da série Tarzan,
que iniciaria alguns anos após, cumpre ressaltar que o filme não deixa de
submeter à convenção do período de
“enegrecer” os atores que viverão os personagens não-ocidentais e apresentar, a
determinado momento, um criado negro (e esse o único negro de fato, diga-se de
passagem) entre os expedicionários que aportam a ilha os servindo, personagem
que simplesmente sumirá da mesma forma como apareceu na narrativa, do nada.
Destaque para a forma orgânica com que as sequências submarinas se encaixam no
universo ficcional, de forma bem menos agressiva e explícita, inclusive com
relação à textura da imagem, do que nos filmes clássicos da série Tarzan vivida
por Weissmuller. Ganharia mais duas versões cinematográficas, a única realizada
em ação ao vivo filmada em 1953, com cenas submarinas efetivadas no mesmo local
dessa produção. Destaque para a inusitada beleza que acompanha de longe os
devaneios da Filha da Natureza do alto de uma colina e rodeada por pássaros,
numa pretensa visão do paraíso um tanto incomum para os padrões contemporâneos.
Assim como para o espalhafatoso uniforme da tripulação e do próprio Nemo, que
o aproxima da figura de Papai Noel. National Film Registry em 2016. Universal
Film Manufacturing Co./Williamson Submarine Film Corp. para Universal Film
Manufacturing Co. 105 minutos.
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