Filme do Dia: A Mulher de Todos (1969), Rogério Sganzerla


A Mulher de Todos (Brasil, 1969). Direção: Rogério Sganzerla. Rot. Original: Rogério Sganzerla, sobre o argumento de Egidio Eccio. Fotografia: Oswaldo Cruz Kemeny & Peter Overbeck. Montagem: Franklin Pereira & Rogério Sganzerla. Dir. de arte: Andrea Tonacci. Com: Helena Ignez, Jô Soares, Stênio Garcia, Paulo Villaça, Antônio Pitanga, Renato Corrêa de Castro, Telma Reston, Abrahão Farc.
         Mulher de um ex-líder nazista e milionário, Doktor Plirtz (Soares), Ângela Carne-e-Osso (Ignez), é uma ninfomaníaca que se auto-define como o “máximo” e que viaja para a Ilha dos Prazeres, exercendo um fascínio dominador sobre todos os homens com quem convive. O que menos conta é o enredo nesse terceiro longa de Sganzerla, que mesmo longe de repetir a mesma inovação desconcertante de sua obra-prima, O Bandido da Luz Vermelha, demonstra que o seu talento estético para composições visuais sofisticadas, partindo praticamente do nada, permanece afiado. Com uma exuberante fotografia em p&b, que contradiz o clichê de que o Cinema Marginal apenas se interessava em produções com imagens de “baixa qualidade” para se contrapor aos “valores de produção” tradicionais, seja do cinema nacional ou internacional, o filme apresenta a mesma salada de influências que celebrizou sua estréia (história em quadrinhos, Godard, cinema clássico americano, MPB) na composição de um quadro que destrói ainda mais radicalmente as pretensões narrativas tradicionais sem deixar de provocar, ao mesmo tempo, uma intensidade quase hipnótica na forma que elabora suas imagens. Muitos dos recursos utilizados pelo cineasta em seus filmes anteriores retornam aqui como a fala direta dos atores para a câmera, inserções completamente a margem da pretensa “narrativa principal”, listas estapafúrdias de adjetivações sobre personagens, a narração off irônica (aqui na voz de Renato Machado) e situações ou ainda o efeito da música que menos ilustra que se sobrepõe com certo estranhamento sobre a imagem. O personagem vivido por Ignez é uma espécie de versão feminina do igualmente “boçal” Bandido da Luz Vermelha. Uma das grandes qualidades do filme é a sua utilização consciente de expedientes provenientes de gêneros cinematográficos e extra-cinematográficos os mais diversos (utilizados magistralmente por Godard em O Demônio das Onze Horas) para a construção de um mosaico que mescla, em chave paródica,  “filme de exploração” (o caráter insistente que a protagonista se despe para a câmera) e mensagens políticas (a certo momento um personagem afirma que não pode haver liberdade individual enquanto não houver liberdade coletiva), chanchada (sua sátira do modelo clássico americano é, ao mesmo tempo, mais sutil e escrachada, como na seqüência em que um casal que briga-e-se-ama na praia rola em meio as ondas numa paródia hilária do romantismo sensual de A Um Passo da Eternidade) e cinema noir. Ignez se presta muito bem a reatualização da femme fatale perseguida pelo cineasta, tendo já efetivado uma participação semelhante como Janet Jane em O Bandido. O clima, de uma certa euforia niilista e histerismo, que atravessa o filme, marca registrada das produções do Cinema Marginal, está presente em diversos momentos (Ângela aplicando droga no pé de um dos parceiros, um aparente toureiro amante latino Ramon acaba se revelando apenas um histérico cabelereiro, etc). Sua fotografia límpida que acentua os tons em branco evoca a de outra produção marginal, ainda mais radical em seu caráter desconstrutivo, Bang Bang, dirigido por Tonacci, que trabalha aqui como diretor de arte. Rogério Sganzerla Produções Cinematográficas/Servicine Serviços Cinematográficos. 93 minutos.

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