The Film Handbook#16: Jacques Demy

Jacques Demy
Nascimento: 05/06/1931, Pontchâteau, França
Morte: 27/10/1990, Paris, França
Carreira (como diretor): 1955-1988

No seu melhor, Jacques Demy é verdadeiramente original, criador de um encantador e pungente universo de fantasia governado pelo destino, amor e memória. Acusações que as sensuais e suntuosas superfícies de seus filmes são meramente decorativas são inapropriadas, já que seus modernos contos de fadas são frequentemente enraizados nas emoções sombrias da realidade.

Após estudar cinema, Demy entrou na indústria como assistente do animador Paul Grimault, seguido pela direção de vários curtas. Não antes de 1960, no entanto, com seu primeiro longa Lola>1, uma história de amor ambientado na província costeira de Nantes, seu surpreendente estilo pessoal amadureceu. Sua ousadia formal é evidente já no plano de abertura de uma americana, vestida de branco, dirigindo sua grande limusine branca através da tela grande e ao som de jazz e da Sétima de Beethoven. O enredo, sobre o retorno tardio de um homem a sua amante, cantora de cabaré de sete anos atrás é de interesse limitado em si próprio, mas o estilo de Demy é notável. Enquanto a câmera circunda infinta e elegantemente ao redor do carrossel de personagens que simbolizam o passado e o futuro do par central, a emocionante celebração do renascimento do amor é corroída pela triste consciência da provisoriedade e fragilidade do mesmo. De fato, o padrão complexo de relacionamentos se estende tanto dentro como fora do filme: Lola se refere aos passados O Anjo Azul/The Blue Angel, (de Von Sternberg) e Lola Montès (de Ophüls), cujos sofisticados romances agridoces claramente influenciaram os extravagantes visuais em branco&preto de Demy e seus temas.

Igualmente decepcionante em sua divertida simplicidade foi A Baía dos Anjos/La Baie des Anges>2, que acrescentou uma ênfase ao papel do destino no amor, tendo seus protagonistas cedido ao vício do jogo; o cassino os tenta para o distanciamento de uma maldição do verdadeiro romance com a promessa de dinheiro fácil, sendo uma elegante atualização do Inferno. Então, em Os Guarda-Chuvas do Amor>3, Demy finalmente conquistou seu objetivo de montar um musical em cores. Seus primeiros filmes haviam utilizado a música de Michel Legrand somente para sublinhar o conteúdo emocional; aqui os diálogos são cantados do início ao final. Miraculosamente, a monótona realidade de uma cidade costeira se torna um universo fantástico em tons pastéis onde, mais uma vez, a ciranda romântica esconde a pílula amarga dentro de um invólucro de açúcar, o amor sendo frustrado por intermináveis coincidências envolvendo convenientemente fenômenos banais como ilegitimidade, serviço militar e dinheiro. Ainda mais intrigante foi o modo como Demy sutilmente se refere às figuras de seus primeiros filmes: o herói admite um romance no passado com Lola, estendendo, portanto, os tentáculos complexos e fatídicos de cada filme.

Após o sucesso de Os Guarda-Chuvas, Demy prestou seu tributo aos musicais americanos com Duas Garotas Românticas/Les Demoiselles de Rochefort, incluindo Gene Kelly no elenco e também, pela primeira vez, dança. Infelizmente, sua coreografia foi somente irregularmente inspirada, ainda que o filme impressione por sua audaciosamente maquinada trama, cores e uso de outra cidade costeira como gigantesco set. Demy foi então aos Estados Unidos, onde realizou O Segredo Íntimo de Lola/Model Shop>4, filme decididamente sombrio e não musical que redescobre Lola como uma divorciada trabalhando sem grande sucesso como modelo fotográfica no puído subúrbio de Los Angeles. Ainda que seu retrato de um juventude desiludida tenha fracassado, a evocação da vida sem raízes de L.A., surpreendida em seu perpétuo movimento nas lotadas rodovias e seus arredores, foi soberba.

De volta à Europa a carreira de Demy entrou em inexplicável declínio, com duas versões meramente decorativas de contos de fadas (Pele de Asno/Peau d'Ane, A Lenda da Flauta Mágica/The Pied Piper), uma fraca comédia (Um Homem em Estado...Interessante/A Slightly Pregnant Man) e uma co-produção franco-nipônica ambientada na Revolução Francesa (Lady Oscar). Felizmente, Um Quarto na Cidade/Une Chambre de Ville>5 observa uma volta à sua melhor forma, sendo igualmente um retorno a Nantes e ao drama cantado do início ao final. O tom, no entanto, foi mais sombrio que nunca: uma história de amour fou é ambientada contra o pano de fundo de uma greve de estivadores e a inventividade formal de Demy atinge seu auge quando um personagem rasga sua garganta em meio a uma canção. Infelizmente o filme não foi um sucesso nem, nada surpreendentemente, foi Parking, tentativa mal sucedida de recontar a história de Orfeu e Eurídice dentro do formato de uma suave ópera-rock. Posteriormente, as expectativas cresceram e foram desapontadas por Trois Places  pour le 26, um musical escrito por Michel Legrand e estrelado por Yves Montand.

Apesar da produção medíocre dos últimos anos, as fantasias surreais de Demy, frequentemente desconsideradas como banais, apresentam uma ambiciosa precisão e elegância formais em sua mescla única de diálogo, música, cenografia e movimento. Seus melhores filmes, consistentemente inovativos e resolutamente cinematográficos, confirmam-no como um dos talentos mais criativos que emergiram da França durante o final dos anos 50 e idos de 60.

Genealogia
Demy confessa sua admiração por Von Sternberg, Vigo, Ophüls, Bresson, Cocteau e Minnelli, ainda que sua preocupação obsessiva com padrões de côrte e memória sugiram paralelos com Rohmer e Resnais. Poderia-se, de forma aproximada, comparar seu uso da música com o de Terence Davies e Julien Temple. Ele é casado com Agnès Varda.

Leituras Futuras
French Cinema Since 1946, Vol. 2 (Londres, 1976), de Roy Armes.

Destaques
1. Lola, França, 1960 c/Anouk Aimée, Marc Michel , Alan Scott

2. A Baía dos Anjos, França, 1963 c/Jeanne Moreau, Claude Mann, Paul Guers

3. Os Guarda-Chuvas do Amor, França, 1964 c/Catherine Deneauve, Anne Vernon, Marc Michel

4. O Segredo Íntimo de Lola, EUA, 1969 c/Anouk Aimée, Gary Lockwood, Alexandra Hay

5. Um Quarto na Cidade, França, 1982 c/Dominique Sanda, Danielle Darrieux, Michel Piccoli

Texto: Andrew, Geoff. The Film Handbook. Londres: Longman, 1989.

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