Filme do Dia: Simão do Deserto (1964), Luis Buñuel



Simão do Deserto (Simon del Deserto, Espanha, 1964) Direção: Luis Buñuel. Rot.Original: Julio Alejandro & Luis Buñuel. Fotografia: Gabriel Figueroa. Música: Raúl Lavista. Com: Claudio Brook, Silvia Pinal, Luis Aceves Castañeda, Antonio Bravo, Enrique del Castillo, Enrique García Álvarez, Jesús Fernández Martínez, Francisco Reiguera, Gláuber Rocha, Hortensia Santoveña, Enrique Álvarez Félix.
     Simão (Brook), do alto de seu púlpito (uma coluna elevada no meio do vazio do deserto), prega dia e noite, sempre em pé. Sua mãe (Santovenã) sempre o observa. Religiosos de uma ordem próxima e  mendigos são os que aparecem geralmente atrás de suas graças. Porém até mesmo ao milagre de ter conseguido um novo par de mãos para um mutilado (del Castillo), a reação dos presentes é morna, e o primeiro ato do mutilado com suas novas mãos é estapear o filho que lhe pergunta se suas mãos são realmente novas. Sempre visto com certa desconfiança, inclusive pelos próprios religiosos, que se dividem quando um deles afirma que Simão não passa de um simulador e que, na verdade, passa muito bem com as oferendas que são depositadas em sua cesta. Depois tem um acesso apoplético e afirma que Simão está com a verdade, embora jure que ainda irá desmascará-lo. Um dos religiosos é punido com Simão, que não quer mais vê-lo, já que o percebera desejando uma mulher que passava, retornando para lhe dizer que sua pregação nada poderia contra a invasão que o país estava sofrendo e que acabaria com a própria aldeia em pouco tempo. Entre alguns dos interlocutores costumazes de Simão encontram-se um efeminado noviço (a quem aponta que deve abandonar a congregação até que possua uma barba como os outros), um anão que nada entende de suas pregações (Martínez) e que possui uma afeição especial por sua cabra, e o demônio (Pinal), travestido de mulher, que o atormenta tanto sexualmente como fazendo-se passar por Deus e que carrega Simão para um clube moderno onde jovens dançam rock em Nova York.

Delirante e impagável visão de um episódio da tradição cristã a anos-luz da referência tradicional que temas semelhantes ganharam na moral hollywoodiana e mundial, grave, luxuosa e voltada exclusivamente para a bilheteria. Aproxima-se, até certo ponto, da simpática visão que Pasoliniapresenta em O Evangelho Segundo São Mateus (1964), e principalmente do episódio do cineasta em RoGoPag (em tom não menos burlesco), porém radicaliza na sua característica despojada e Simão ganha  uma graça, leveza e, por vezes, hilaridade, nada sobrehumanas como no momento em que, à guisa da falta de humanos para abençoar, abençoa uma abelha ou ainda quando esquece a prece que começa a dizer. Ou mesmo quando os indivíduos que alcançam a graça, logo mecanicamente voltam a viver e abandonam instantaneamente o tom submisso, como na cena do milagre. O caráter messiânico do personagem possui sua força e limitações em si próprio, no sentido de que nada pode contra a história maior (a invasão estrangeira nem sequer chega a ser compreendida por ele). O episódio final, uma saída precária para a falta de financiamento ocorrida no meio da produção, agrega ao filme um caráter datado desnecessário. Gláuber Rocha aparece como figurante. STPC. 45 minutos.

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