Filme do Dia: Mikey and Nicky (1976), Elaine May


Mikey and Nicky (EUA, 1976). Direção e Rot. Original:  Elaine May. Fotografia: Victor J. Kemper. Música: John Strauss. Montagem: John Carter & Sheldon Kahn. Dir. de arte: Paul Sylbert. Com: John Cassavetes, Peter Falk, Carol Grace, Ned Beatty, Rose Arrick, Sanford Meisner, Joyce Van Patten, M. Emmet Walsh, William Hickey.

     Nicky (Cassavetes) é um pequeno vigarista que, após um assalto contra uma figura do alto escalão do submundo, Dave Resnick (Meisner) vê-se preso de uma verdadeira paranóia de que será morto. Pede ajuda ao amigo de infância Mikey (Falk). Depois de muito persuadi-lo, Nicky acredita que Mikey não o está traindo. Após tratar da úlcera do amigo que está pronta a estourar com leite, Mikey consegue levá-lo a um bar, onde tomam cerveja. Nicky, altamente excitado, resolve visitar sua mulher e filha, para se despedir delas antes de abandonar a cidade. A visita é adiada por uma idéia repentina de ir ao cinema que é abolida por outra, a de ir ao cemitério visitar o túmulo da mãe. No cemitério, enquanto Mikey tentar lembrar o kaddish, Nicky tem um acesso de riso, já que não consegue saber como agir, e relembra fatos passados da vida de ambos, como a morte de um irmão de Mikey de leucemia. Quando Mikey liga para sua esposa mais uma vez, dizendo o local em que se encontram, Nicky volta a suspeitar dele, deixando-o aborrecido. A situação piora quando Mikey apresenta uma amiga a Nicky e essa escolhe-o, não querendo nada com Mikey. Um conflito se esboça, resultando nos habituais excessos de Nicky que, levado pelo seu instinto impulsivo, quebra o relógio que era o único que o pai de Mikey havia deixado para ele. Sinceramente enfurecido, Mikey se afasta de Nicky e encontra Kinney (Beatty), a quem está  mancomunado para o assassinato do amigo. Mente para Kinney ao cruzar, em certo momento, com o amigo pelas ruas. Este, desesperado, procura ajuda com a esposa  Jan (Van Patten) e voltando ao apartamento da amiga de Mikey. Já manhã cedo, Mikey volta prá sua casa e conta pela primeira vez para a esposa sobre o irmão morto quando criança. Nicky surge e bate a porta da casa. Annie (Arrick), a esposa de Mikey, afirma que ele não se encontra e que não pode deixá-lo entrar. Nicky tem um acesso, procurando arrombar a porta, mas é  morto por Kinney.

É difícil crer que a colaboração de Cassavetes não tenha ido além da interpretação, já que o filme parece se aproximar mais de seu estilo do que muitos de seus próprios filmes. Como todos os protagonistas dos filmes mais autorais do cineasta – principalmente os que ele próprio interpretou – Nicky apresenta uma extrema impossibilidade de lidar com os outros e permanecer fiel a si mesmo. O resultado é uma aparente negação de ver sentimentos no outro além do que imagem desse outro é percebida por ele próprio, como Mikey lhe joga na cara no episódio do relógio. E as semelhanças estão longe de parar por aí, se refletindo também na própria amizade entre homens compartilhada de devaneios e um tom grandemente misógino, com cenas também semelhantes de violência contra as mulheres (o que é de se espantar na direção de uma mulher, quando sabemos que a maioria das cineastas mulheres nos EUA são de um feminismo de visões pouco amplas). Da mesma forma aqui também se apresenta o impulso sentimental que toma  conta de qualquer motivação plenamente racional, seja na tortuosa rota improvisada por Nicky para a noite, no seu riso, entre histérico, desesperado e lúdico ou ainda na ambiguidade do amigo, que em alguns momentos desiste de colaborar para sua morte. Assim como sua presença se encontra do início ao final nos brilhantes diálogos, que expressam uma visão de mundo profundamente pessoal,  que  sabe que sua maior força provém de não se “contaminar” facilmente por qualquer modelo ou influência externa. Na própria construção formal, com seu ritmo peculiar que, por vezes, prolonga situações que normalmente seriam bem menos extensas, numa relação que se assemelha não só em termos de construção de tempo como também de espaço. Na presença de um dos atores privilegiados de sua trupe, Peter Falk, e também na fotografia. As por vezes patéticas tentativas de auto-expressão dos sentimentos dos dois protagonistas são o que há de mais pungente no filme, dado a crueza terna e, ao mesmo tempo, amarga com que são proferidos. A influência de Cassavetes no filme vai muito além a de uma outra situação semelhante, de um grande cineasta  como intérprete, como a de Orson Welles em O 3º Homem (1947), de Carol Reed. Paramount Pictures. 119 minutos.

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