Filme do Dia: A Noiva Estava de Preto (1967), François Truffaut
A Noiva Estava de Preto (La Mariée
était en noir, França/Itália, 1967). Direção: François Truffaut. Rot. Adaptado: Jean-Louis
Richard & François Truffaut, baseado
no romance de Cornell Woolrich. Fotografia: Raoul Coutard. Música: Bernard
Hermann. Montagem: Claudine Bouché. Dir. de arte: Pierre Guffroy. Com: Jeanne Moreau, Michel Bouquet,
Jean-Claude Brialy, Charles Denner, Claude Rich, Michael Lonsdale, Daniel
Boulanger, Alexandra Stewart, Sylvine Delannoy.
Julie
Kohler (Moreau) vinga-se de todos os homens que se encontravam reunidos no
apartamento de onde veio o tiro que matou seu marido, na saída da igreja, logo
após a cerimônia. O primeiro é Bliss (Rich), um conquistador que acredita que
seduziu-a, e que é morto da varanda de seu apartamento, em plena comemoração do
casamento. Para o segundo, um frustrado homem de meia-idade, o Sr. Coral (Bouquet), Julie manda um
ingresso para um concerto de música erudita. Na noite seguinte, envenena-o com
a bebida que trouxera. O terceiro, Morane (Lonsdale), um bem sucedido burguês
que pretende enveredar pela carreira política, é morto por asfixia, trancado
num pequeno armário de sua própria casa. O quarto, Delvaux (Boulanger),
escroque no negócio de carros, é salvo no último momento, pela intervenção da
polícia, que o prende. Enquanto Julie anota em seu caderno uma interrogação
sobre Delvaux, parte ao encontro de Fergus (Denner), artista plástico, boêmio e
inverterado mulherengo, a quem assassina enquanto posa de Diana, a caçadora,
com a própria flecha com que era retratada. Porém um amigo em comum de Bliss e
Fergus passa a desconfiar de Julie e, no dia do enterro, a descobre no funeral.
Presa, a polícia não descobre a lógica que motivou seus crimes e Julie consegue
cumprir a sua meta e matar Delvaux esfaqueado, no momento em que vai servir a
comida.
Essa adaptação de Wollrich, autor fonte para clássicos
do cinema noir e suspense americanos,
particularmente para um dos ídolos de Truffaut, Hitchcock (que adaptou Janela Indiscreta), é utilizado ao
serviço do universo particular do cineasta francês. Porém, o resultado final é
menos instigante que outra adaptação para um universo autoral, empreendida por Fassbinder, em Martha. Falta um pouco mais do sutil
senso de comicidade e absurdo usualmente trabalhados por Truffaut – que
retornaria ao tema, de uma forma galhofa, menos pretensiosa e mais divertida
com Uma Jovem Tão Bela Como Eu.
Inicialmente pode-se acreditar que Julie pode ser apenas uma barba azul de
saias. E até o primeiro crime, uma expectativa de suspense é motivada, porém
logo se arrefece, quando é percebida a lógica da vingança e acompanhamos, com
completa ausência de sentimentos, os planos da assassina. Mesmo que, em certos
momentos, como tipicamente ocorre no estilo noir,
o inesperado possa ser atraente, como naquele do primeiro crime e logo
quando descobrimos o motivo que Julie decidiu ser descoberta (quando percebemos
Delvaux na prisão, e que bom poderia ser a cena final do filme), o resultado
geral é tedioso. Algumas cenas que
rompem com a obsessividade da trama, como a echarpe de Kohler que se desprende
do galho, motivo para que empurrasse Bliss, sendo levada pelo vento a sobrevoar
a cidade, enquanto sua dona se encontra em um avião, a caminho da próxima
vítima e a do confessionário, onde Julie revela que o padre, ainda que
involuntariamente, havia lhe dado forças para continuar com sua empreitada,
acabam sendo revigorantes. Em sua homenagem enviesada ao mestre do suspense,
Truffaut também teve a colaboração de Bernard Hermann, compositor de muitas das
trilhas de Hitchcock. Truffaut, que voltaria a adaptar Wollrich com A Sereia do Mississipi (1969), foi bem
mais sucedido com outra tentativa de unir o cinema autoral a uma fonte
literária noir, com Atirem no Pianista (1960), também tendo
como protagonista um Kohler. Denner, que como em outros filmes do cineasta,
representa um obcecado por mulheres, traduz muito da misoginia e das obsessões
do próprio cineasta. Última colaboração de Truffaut com o legendário
cinegrafista da Nouvelle Vague
Coultard, com quem teve sérias desavenças ao longo deste, que era o filme pelo
qual sentia menos apreço. Como As 7 Máscaras
da Morte, cola sua trama na obsessão de uma assassina serial voltada para
um ressentimento específico. Dino de Laurentiis Cinematografica/Les Films du
Carrosse/Les Productions Artistes Associés. 107 minutos.
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