Filme do Dia: Atirem no Pianista (1960), François Truffaut
Atirem no Pianista (Tirez sur le pianiste, França, 1960).
Direção: François Truffaut. Rot. Adaptado: Marcel Moussy & François Truffaut, baseado no romance Down There, de David Goodis. Fotografia:
Raoul Coutard. Música: Georges Delerue. Montagem: Claudine Bouché & Cécile Decugis. Dir. de arte: Jacques Mély. Com: Charles Aznavour,
Nicole Berger, Daniel Boulanger, Serge Davri, Marie Dubois, Claude Heymann,
Richard Kanayan, Claude Mansard, Michèle Mercier, Albert Rémy.
Charlie Kohler (Aznavour) é o
reservado pianista de uma espelunca, onde trabalha Lena (Dubois), que sente-se
atraída por ele. Distraído e extremamente tímido este não o percebe, até que o
dono do bar, Plyne (Davri) lhe chame a atenção. Kohler é pai de um garoto, Fido
(Kanayan), que recebe os cuidados de uma prostituta sua vizinha, Clarisse
(Mercier). Porém a personagem vivida por Kohler é desmascarada quando um de
seus irmãos gangsters Chico (Rémy), decide buscar o auxílio dele para se livrar
de homens que o perseguem. Sequestrado, assim como Lena, pelos homens que
perseguem seu irmão, Momo (Mansard) e Ernest (Boulanger), Kohler acaba
conseguindo fugir quando o carro é detido em uma barreira policial. Lena,
então, o convida a visitar seu apartamento e lá o desmascara. Sabe tratar-se de
Edouard Saroyan, pianista de renome internacional. Ele começa a relembrar seu
passado quando, noivo de Theresa (Berger), garçonete, tenta a sorte com o
empresário Lars Schmeel (Heymann). Sua ascensão, após o contrato com Schmeel, é
meteórica. Porém na vida afetiva não ocorre o mesmo. Theresa começa a se distanciar
cada vez mais dele. Finalmente revela que não quer mais ter contato com ele,
porque se arrepende profundamente de o ter traído com Schmeel, para conseguir
para o marido o contrato desejado.
Saroyan abandona o quarto do hotel e quando, arrependido, retorna a
mulher suicida-se, pulando pela janela. Fido é sequestrado pelos inimigos dos
irmãos de Saroyan. Quando este decide reencontrar os irmãos gangsters em seu
refúgio, seus inimigos acabam matando acidentelmente Lena.
Partindo de uma adaptação de um
romance noir, Truffaut consegue lhe
dar uma vida própria, próxima de seu universo e ainda mais original que
semelhante adaptação pelas mãos de outro realizador de cinema autoral,
Antonioni, em Crimes d’Alma (1950).
Com o suspense ficando em plano secundário e a vida afetiva do protagonista
ganhando o primeiro plano, o filme já se distancia da lógica que regia o estilo
noir. Essa distância é ainda mais
acentuada quando Truffaut lida com essa vida afetiva de forma semelhante aos
seus filmes, a enfatizar a comédia de costumes, uma certa espontaneidade
naturalista herdeira de Renoir e um tom confessional – aliás a timidez de
Saroyan e sua pertença ao mundo artístico traem traços semi-biográficos do
próprio cineasta. Essa forma de lidar com o gênero também revela uma propensão
a sátira de seus próprios elementos, presentes em momentos como a pouca
sensacionalidade do seqüestro do pianista e sua futura namorada – sem gestos
dramáticos ou a enfâse da trilha sonora recorrente no gênero – e ainda mais de
sua brusca interrupção, que se dá pela mais banal das ações. O mesmo tom
farsesco se encontra presente na cena em que o filho do pianista é sequestrado,
e acompanhamos a cena simultaneamente dos sequestradores retirando o garoto
porta a fora do apartamento e da prostituta gritando pela janela do andar
superior, tornando-se mais hilária que trágica. Um tom levemente galhofo que
também brinca com os códigos de sensualidade do próprio cinema em geral da
época, faz-se presente no momento em que a prostituta se despe para deitar-se
com o pianista na cama e seus fartos seios não se furtam a exibição da câmera,
e ela enrola-os dizendo que no cinema é assim que se age. Em outro momento, o
cineasta parodia A Besta Humana (1938),
de Renoir, e a literatura de natureza biologista de Émile Zola, quando um dos
sequestradores, misógino por excelência, afirma que não é inteligente por culpa
de toda uma geração de antepassados seus que foram trabalhadores. Os criativos
diálogos e a boa intepretação dos atores, a utilização do flashback e as estratégicas cenas em locação – no momento em que
ocorre a seqüência do seqüestro no carro ocorre uma dissemetria de continuidade
no plano/contraplano quando percebe-se que os passageiros atrás do carro se
encontram em um carro em movimento, enquanto os da frente se encontram parados
– garantem a criação de uma soberba atmosfera, atributo presente em alguns
filmes franceses da época, como Ascensor
para o Cadafalso (1958) de Malle. Segundo longa-metragem do cineasta, que
seria muito mal recebido por público e crítica após o estrondoso sucesso de sua
estréia com Os Incompreendidos
(1959). Les Films de la Pléïade 85 minutos.
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