Filme do Dia: Através das Oliveiras (1994), Abbas Kiarostami
Através das Oliveiras (Zire
Darakhatan Zeyton, Irã/França/EUA, 1994) Direção: Abbas Kiarostami. Roteiro
Original: Abbas Kiarostami. Fotografia: Hossein Djafarian Farhad Saba.
Montagem: Abbas Kiarostami. Com: Mohamad Ali Keshavarz, Farhad Kheradmand,
Shiva, Hossein Rezai, Tahereh Ladanian, Hocine Redai, Azim Aziz Nia.
Diretor
de cinema (Keshavarz) chega a um lugarejo iraniano onde recentemente houve um
grande terremoto, que matou boa parte da população. Ele inicia escolhendo a
garota que irá participar do filme entre diversas que comparecem ao local. Sua
assistente, a sra. Shiva (Shiva) tem problemas com a garota Tahereh (Ladanian),
já que esta teima em escolher para a filmagem o vestido de uma amiga, enquanto
o diretor quer que ela vista um vestido de camponesa que atualmente não mais é
utilizado por gente de sua geração. Auxiliado pela Sra. Shiva (Shiva), escolhe
Azim (Nia) para fazer o papel do marido, porém logo dispensa-o, após inúmeros
takes, porque ele afirma que gagueja
toda vida que fala com uma garota. A sra. Shiva vai em busca de outro rapaz, porém
ambos ficam detidos na estrada por um bom tempo já que pedreiros a obstruíram
com material de construção da obra em que trabalham. O rapaz, Hossein (Rezai),
afirma que foi contratado para ser ator e que nunca mais pretende fazer serviço
como pedreiro, portanto a sra. Shiva tem que procurar outro caminho. Enquanto
isso, o diretor toma a lição de alguns garotos que, apesar do exame na escola,
resolveram se acercar da filmagem. Ao reiniciar a filmagem um novo problema:
Tahereh não responde as falas de Hossein. No carro com o diretor, Hossein explica
a situação: na verdade ela é o objeto de sua paixão, porém sua avó
não quer que ele se aproxime dela porque além de analfabeto não possui casa;
com o terremoto e a perda da casa, Hossein imaginou que agora ele e Tahereh se
encontrassem em situação de igualdade, mas foi novamente ignorado e sua avó
disse que era melhor ele desistir; sentindo-se magoado, afirma que não
pretende mais falar com Tahereh. Porém em outra ocasião recente, quando ambos
também se encontravam no carro, Hossein desprezou uma jovem a quem o diretor
ofereceu carona por também ser analfabeta. O diretor perguntou o motivo da
incompreensão de Hossein para com Tahareh, se ele agira da mesma forma. Hossein
lhe afirma que as pessoas alfabetizadas devem casar com as analfabetas, assim
como os ricos com os pobres, para que se ajudem uns aos outros. A Sra. Shiva afirma
ao diretor que um dos dois deve abandonar o filme, sob o risco de se
comprometer a filmagem, porém revela posteriormente que conseguiu animar
Tahereh com a ameaça de substituí-la por outra atriz. As filmagens continuam,
porém Hossein teima em afirmar que perdeu 25 parentes no terremoto - o que
ocorreu na realidade - e não 65 como no roteiro, e Tahereh teima em não
chamá-lo de senhor após cinco takes. Hossein irá explicar ao diretor que na
região as mulheres não possuem mais esta obrigação, e portanto a cena não é verossímil,
convencendo o diretor. Após concluídas as filmagens, Tahareh abandona
impaciente com a demora o carro da produção e retorna para sua casa a pé,
levando consigo um jarro de planta que trouxera para ornamentar o cenário da
casa do casal. Hossein a persegue por colinas e uma planície de oliveiras, mas,
vencido pela mudez de Tahereh, que teima em não falar se concorda ou não com a
posição de sua avó contra a união de ambos, desiste.
Belo
filme de Kiarostami que trabalha sobretudo com o cinema enquanto forma de
mediação entre realidade e fantasia. Utilizando-se de planos-sequências e do
campo/contracampo, o filme se afasta, no entanto, da forma que tais recursos
ganharam nas experimentações da década de 60, e reaproxima-se da noção de
reprodução do ponto de vista e de registro com pretensões quase documentais de
espaço e tempo, características com que André Bazin qualificaria o Neorrealismo
italiano, do qual o filme é um herdeiro direto. Porém, longe de tais traços se
afirmarem como qualificadores de algo já superado, aparecem antes de tudo como
material para uma profunda e original investigação sobre a dificuldade de
separar o que é real do fictício seja na forma - que teima em sua força
realista em se aproximar da vida - como no longo plano-sequência inicial pela
estrada - como no conteúdo - à dificuldade extraordinária para os atores se
desvencilharem de sua “vida real” e
ingressarem na ficção, como que temendo que o filme não reproduza seu modo de
vida - e a si próprios - com autenticidade (inúmeros são os exemplos, como a
não submissão de Tahereh ao diretor para chamar Hassein de senhor, o pedido de
desculpas de Hassein a ela, afirmando que não se trata dele próprio quando
reclama sobre suas meias e que quando estiverem casados terá sensibilidade
suficiente para não agir igual ao personagem e, principalmente, quando Hassein
se utiliza da filmagem como um meio para cortejar Tahereh). Por outro lado, a
realidade se infiltra na fantasia inclusive fora do momento da filmagem - a
dificuldade para chegar à filmagem com a estrada obstruída, a impossibilidade
de trabalhar com uma garota que o diretor encontra na estrada, já que ela não
pode nem dizer seu nome para estranhos. Bela cena final, em que Kiarostami
coincide o final da filmagem com a fantasia de Hassein de casar-se com Tahereh.
O filme demonstra que a polaridade tradicionalmente contruída entre o cinema
anti-realista e, por outro lado, o enganador
“cinema da transparência”, que recusa-se a apresentar seus truques na
construção de um universo igualmente fictício, soa hoje parcial e injusta quando tornada absoluta em um dos polos como impositiva.
Uma das grandes virtudes do filme é a forma poética, intelectualmente despojada
e singela com que observa - geralmente através dos olhos do diretor, alter-ego
de Kiarostami - as paisagens e pessoas da localidade. Abbas Kiarostami
Productions/CiBy 2000/Farabi Cinema Fundation/Miramax Films. 103 minutos.
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