Dicionário Histórico de Cinema Sul-Americano#102: Juan Moreira

 


JUAN MOREIRA. (Argentina, 1973). Mesmo sendo talvez o filme provavelmente mais estilizado na história do cinema narrativo argentino na época que foi realizado, Juan  Moreira, de Leonardo Favio tornou-se o maior sucesso nas bilheterias do país, ultrapassando La Guerra Gaucha (1942), com mais de dois milhões de ingressos. O filme foi realizado entre a renúncia do governo militar e o retorno de  Perón, após um exílio de vinte anos na Espanha. A figura real do gaúcho Juan Moreira se tornou mitológica, após ter sido assassinado em 1874. Ele foi um perigoso fora-da-lei, que matou muitos homens em combates de faca, mas seu legado é também de uma figura que resistiu à exploração desleal e o tratamento dado aos trabalhadores gaúchos pelos ricos e poderosos e seu crânio e alguns pertences pessoais estão guardados no Musue Juan Domingo Perón. A novela seriada de Eduardo Gutiérrez, escrita no final do século XIX, mitologizou Juan Moreira enquanto nobre rebelde, quando a oligarquia de Buenos Aires massacrava índios, e expulsava e recrutava gaúchos errantes, em uma tentativa de "civilizar" os pampas. Muitas adaptações para os palcos e às telas seguiram à narrativa de Gutiérrez, incluindo ao menos quatro filmes intitulados Juan Moreira.

No filme de Favio, Moreira (interpretado por Rodolfo Bebán) assassina um 'Don" após ter sido enganado com dinheiro seu, e depois preso e torturado. Moreira se refugia, primeiro na casa de sua família e então com os "índios", que eram demasiado pobres para mantê-lo. Entra então em contato com dois de seus amigos e se envolvem na política, primeiro à esquerda e depois à direita, mas ambas as lideranças políticas de Buenos Aires o exploram por sua habilidade para matar. Ele se aproxima do "trágico herói gangster" nos moldes hollywoodianos, e como Tony Amonte no original Scarface (1932), é encurralado em um apartamento com uma companheira, e baleado quando tenta fugir ao cerco. Milagrosamente, Moreira escapa e, presumivelmente, para que o filme replicasse o verdadeiro final da vida do gaúcho, é atacado com uma baioneta, enquanto escala uma parede, mas ainda consegue atirar no olho de seu agressor.

A história é contada em flashback e, surpreendentemente, o primeiro plano do filme é um enquadramento vertical para baixo em uma cova. Observamos então sua esposa em luto, em meio primeiro plano, quando a câmera desliza lateralmente, para melhor apreciar os contatos próximos que mantém com os outros enlutados. Ao longo do filme, a visão do diretor Leonardo Favio e a perícia do diretor de fotografia Juan Carlos Desanzo se unem de um modo, numa narrativa visual extremamente vertiginosa da vida de um personagem violento. A câmera deliberadamente monitorando, em ângulos extremamente elevados ou baixos, exagerada profundidade de campo, e oscilações entre primeiros planos e grandemente abertos, reminiscentes da obra modernista europeia dos anos 60 (Jean-Luc Godard e Michelangelo Antonioni), enquanto o excesso de emoções e concomitante estilo evocam o tableau de Fellini e as sagas mitológicas de Gláuber Rocha. Mas a impressão como um todo é altamente original. Em uma cena de bar, a câmera, de forma inacreditável, move-se por baixo das mesas, talvez sinalizando a vida decadente dos ocupantes e, logo depois, ainda mais inacreditavelmente, olha verticalmente para baixo, movimentando-se sobre vigas altas e velas flamejantes, para seguir o olhar e movimentos de Moreira, enquanto segue sua presa. Frequentemente a comunicação entre Moreira e seus parceiros é obscura, mas a proximidade da câmera e seu deslizamento lateral sugerem paranoia e uma traição pendente. O uso da cor é igualmente forte, como rubros e amarelos nasceres e pores do sol sinalizando a escapada do trio nos dorsos dos cavalos com páthos, e o sangue representado de forma tão ricamente vermelha, é simultaneamente abstrato e perturbadoramente mais efetivo. Raramente uma paleta visual tão extrema tem sido utilizada em uma narrativa clássica.

Texto: Rist, Peter H. Historical Dictionary of South American Film. Plymouth: Rowman & Littlefield, 2014, pp. 347-49.

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