Filme do Dia: Vítimas da Tormenta (1946), Vittorio De Sica
Vítimas da Tormenta (Sciuscià, Itália, 1946). Direção:
Vittorio De Sica. Rot. Original: Sergio Amidei, Adolfo Franci, Cesare Giulio
Viola & Cesare Zavattini. Fotografia: Anchise Brizzi. Música: Alessandro
Cigonini. Montagem: Niccolò Lazzari. Dir.
de arte: Ivo Batelli & Giulio Lombardozzi. Com: Franco Interlenghi, Rinaldo
Smordoni, Annielo Mele, Bruno Ortenzi,Maria Campi, Gino Saltamerenda, Emilio
Cigoli, Pacifico Astrologo, Irene Smordoni, Anna Pedoni.
Pasquale
(Interlenghi) e Giuseppe (Smordoni) são engraxates que sonham em possuir um
cavalo. A oportunidade vem e com vários bicos e ajudas eles conseguem comprar.
Só que um desses pequenos trabalhos, foi o de vender cobertores para uma velha
cartomante (Campi). O que eles não sabem é que, depois da venda, o grupo de
jovens adultos que o segue se faz passar por policiais e extorque a velha
senhora. Do grupo faz parte o irmão de Giuseppe, Attilio (Mele) e seu patrão,
Panza (Saltamerenda). Eles acabam sendo denunciados pela velha senhora e vão
para o reformatório. Após forjar espancar Giuseppe, os homens do reformatório
descobrem toda a trama por Pasquale e Rafaelle é preso. O episódio acaba
criando uma desunião entre os amigos. Quando o mal entendido é resolvido,
ocorre o julgamento em que tendo um advogado particular e mais enérgico,
Giuseppe é condenado a um ano, metade da pena de Pasquale. Ocorre uma
oportunidade de fuga, liderada por um dos garotos que se encontra na mesma cela
de Giuseppe. Esse consegue fugir, aproveitando a ocasião que todos se encontram
reunidos no pátio para uma sessão de filmes. Pasquale não. Ele fala que sabe
onde eles estarão e vai com a polícia até o local onde se encontra o cavalo.
Foge enquanto os homens se encontram desatentos e vai de encontro a Giuseppe,
acidentalmente matando-o.
Mesmo sendo
evidente a influência que pode ter exercido sobre um Buñuel (Os Esquecidos) e talvez indiretamente
sobre vários outros (caso do brasileiro Pixote),
essa produção de De Sica talvez seja a menos interessante de seu ciclo neorrealista,
incluindo talvez mesmo o seu filme anterior (A Culpa dos Pais). A comparação com Buñuel, no entanto, é um tanto
desvantajosa, no sentido de que o grau de perversidade que surge das crianças
no filme mexicano se encontra longe da puerilidade algo piegas aqui presente.
Sim, é verdade que existe uma gradual apresentação da perda de expectativa
comum a maior parte dos personagens do realizador em seus filmes neorrealistas,
acentuado pelo grau de injustiça contemplado pelas próprias instituições
sociais. Mas até mesmo essa ocorre dentro de uma moldura bem mais
caracteristicamente clichê. Provavelmente a presença de Amidei como
co-roteirista tenha acentuado ainda mais esse caráter tipificador dos
personagens em detrimento de sua densidade enquanto”indivíduos”. Mesmo com a
força de dois garotos carismáticos como centrais – e o fato de Interlenghi ter
seguido uma longa carreira de várias décadas e o outro não ter feito mais que
um punhado de filmes, reflete bastante a dinâmica do trabalho com amadores
pelos cineastas neorrealistas; tema que Visconti, inclusive abordaria, voltado
exatamente para o universo infantil com seu Belíssima – o filme se torna, sob todos os aspectos, uma pálida
sombra da dimensão com a que Rossellini, contemporaneamente, observava aspectos
da sociedade italiana em seu Paisà.
Soa quase perversa a comparação entre a construção do personagem do garoto que
se relaciona com o soldado americano naquele com os aqui observados. De fato,
de uma maneira geral, o filme ainda trai a presença de vários cacoetes
romanescos que evocam o fatalismo do Realismo Poético francês, como a morte
final. A cena que apresenta a nudez do banho coletivo dos garotos tem
implicação menos erótica (como não era tão incomum na produção fascista, a
exemplo de I 3 Aquilotti) que de um
viés de exarcebação naturalista mais próximo do alemão Tragédia na Mina. Algo impensável para o cinema norte-americano da
sua época. Societa Cooperativa Alfa Cinematografica para ENIC. 93 minutos.
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