Filme do Dia: Vai e Vem (2003), João César Monteiro
Vai e Vem (Portugal/França, 2003).
Direção e Rot. Original: João César Monteiro. Fotografia: Mário Barroso.
Montagem: João Nicolau & Renata Sancho. Dir. de arte: José Manuel
Castanheira. Figurinos: Isabel Branco & Lucha D´Orey. Com: João César
Monteiro, Rita Pereira Marques, Joaquina Chicau, Manuela de Freitas, Lígia
Soares, José Mora Ramos, Rita Durão, Maria do Carmo Rôlo, Miguel Borges.
João Vuvu (Monteiro) é um velho viúvo
aposentado que passa o tempo a se deslocar de ônibus por Lisboa, e que tem
obsessão por jovens do sexo feminino. Pondo anúncios em jornal atrás de
empregadas dentro desse perfil, ele acaba recebendo Jacinta (Durão), ao mesmo
tempo reencontrando uma antiga companheira de libertinagens, a quem prega
alguns conselhos de como agir caso seja sexualmente assediada no parlamento
português e sentindo-se fortemente atraído pela jovem e bela policial Bárbara
(Rôlo), entre outras. Afasta-se do filho, Jorge (Borges), recém-saído da
prisão, quando descobre que ele doou todo o dinheiro que conseguiu como
golpista.
Esse derradeiro filme da carreira de
Monteiro persiste nas obsessões temáticas e formais que marcaram sua obra.
Nesse sentido, o grande mérito do filme se encontra na sua incomum utilização
da lírica portuguesa, tratada de forma ineditamente literária (e, inclusive,
fazendo uso sem cessar e sem cerimônia de muitos de seus clássicos), no seu
peculiar senso de ritmo, exemplificado nos longos planos-seqüência no interior
do ônibus pelo qual o protagonista se desloca observando os prédios (ou seriam
as mulheres dentro dos mesmos?) de Lisboa e, sobretudo, no próprio personagem
que é o alter-ego de Monteiro. Com carisma ímpar, seu Vuvu move-se como um
vampiro esquelético, porém sempre espirituoso, elaborando um espelhamento
narcísico do próprio cineasta que só tem paralelo nas figuras de Woody Allen e
Nanni Moretti. Seu humor, um equivalente cinematográfico para a tradição
literária da jocosidade erótica sofisticada que vem desde Boccaccio, embora
seja centrado sobretudo nos diálogos, muito se beneficia de seu próprio
personagem e de seu universo peculiar, ao mesmo tempo mais idiossincrático e
menos dado a exposição que os de Allen e Moretti. O filme, contudo, perde
organicidade em suas seqüências finais, quando mescla inócuas críticas à
política de Bush com um senso de humor bem abaixo do nível mediano do cineasta.
Para não esquecer sua herança experimentalista, mais explicitada em seu filme
anterior, Branca de Neve, Monteiro
encerra a narrativa com um longuíssimo plano congelado do seu próprio globo
ocular, enquanto espelho da alma tal e qual Fernando Pessoa, ao mesmo tempo que
possibilitando uma relação de sua própria pupila com o globo terrestre,
enfatizando o sentido do universo que cada um carrega dentro de si. Dentro de
seu apartamento há um cartaz de Pickpocket
(1959), de Bresson, e no momento em que ensaia uma cena teatral de amor e
morte com Jacinta há uma referência brincalhona a Cidadão Kane (1941), de Welles. Madragoa Films. 179 minutos.
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