Filme do Dia: O Jardim dos Prazeres (1925), Alfred Hitchcock

 


O Jardim dos Prazeres (The Pleasure Garden, Reino Unido/Alemanha, 1925). Direção: Alfred Hitchcock. Rot. Adaptado: Eliot Stannard, a partir do romance de Oliver Sandys. Fotografia: Gaetano di Ventimiglia. Música: Lee Erwin. Dir. de arte: Ludwig Reiber. Com: Virginia Valli, Carmelita Geragthy, Miles Mander, John Stuart, Ferdinand Martini, Florence Helminger, George H. Schnell, Karl Falkenberg, Elizabeth Pappritz.

Jill Cheyne (Geragthy) tem uma ascensão meteórica em sua carreira de corista, não mais escutando os conselhos de sua antiga companheira de quarto, Patsy (Valli), que a introduziu ao mundo da noite. Enquanto se torna uma peça da admiração do Príncipe Ivan (Falkenberg), Cheyne se envolve com Levet (Mander), que irá morar dois anos em uma administração colonial no estrangeiro, afastando-se por um bom tempo, como o noivo de Jill, o sinceramente apaixonado Hugh (Stuart). Levet vai para o mesmo local onde se encontra Hugh, e quase instantaneamente já passa a ter uma relação de conveniência para si com uma nativa (Pappritz). Quando Patsy finalmente recebe uma primeira carta do marido, após meses, e esse afirma que a demora se deu por se encontrar doente devido ao clima dos trópicos, ela tenta, sem sucesso, angariar um empréstimo com Jill, conseguindo-o do pobre – e probo – casal de quem é inquilina. Ao chegar lá, no entanto, encontra Levet completamente embriagado nos braços da nativa. E se depara com um adoentado Hugh. A promessa de idílio entre ambos é quase imediata, sendo interrompida pela brusca presença de Levet, que assassinara perversamente a nativa, quando essa acreditara que ele fora salvá-la do suicídio, após esse ter rompido com ela.

A determinado momento, o filme esquece completamente de seguir Jill. E o que talvez o redima perante um olhar de quase um século após sua realização, seja evitar-se o drama moralista griffitheano sem mais delongas, pois se é verdade que a contraposição entre a boa e a má garotas emerge com todo o repertório acolhedor de um típico ethos da classe média baixa na figura de Patsy, sua escolha de homem nada tem de propriamente favorável em relação a de Jill – com todo o poço de boas intenções que almeje na empreitada, ao contrário de sua amiga “desvirtuada” da rota “correta”. Seus traços de inescrupuloso já surgem na própria lua-de-mel, embora a decisão um tanto apressada de casamento, sem muita convivência prévia, tenha partido do coração romântico da garota. Embora antes mesmo disso, aliás, os sinais já tivessem sido dados pelos fortes latidos de rejeição do cão de estimação de Patsy, Cuddles. Pela construção cruzada em que garota boa se envolve com homem nada virtuoso e garota má pouco se importa com homem virtuoso, pode-se imaginar que um ajuste deveria ser feito para o casal perfeito, que seria Hugh e Patsy. E é o que de fato ocorre. Uma descrição não menos trespassada pela forte espada das convenções tipicamente melodramáticas faz com que os ricos sejam observados como prenhes da mais absoluta futilidade, enquanto dos pobres ou apenas remediados se pode esperar algum grau de sinceridade – ainda que de uma perspectiva negativa, como é o caso, uma vez mais importante, de Levet. Destaque para o retrato do personagem enquanto decadência viva pelo escritor, dramaturgo e prolífico ator Mander, quando flagrado nos braços da nativa por sua esposa, calça desabotoada e trôpego da bebida, além dos tremores da malária. Se por um vestígio de tempo se poderia imaginar a possibilidade de uma vida a seu modo entre Levet e a nativa, após o episódio do flagrante, o puritanismo selará a morte de ambos, sendo Jill, por sua vez (e no andar da carruagem, provavelmente para seu próprio bem) definitivamente – e convenientemente – esquecida. Mesmo que uma produção relativamente humilde para os padrões hollywoodianos contemporâneos, até consegue extrair um pouco da aura de um Somerset Maughan (de quem Hollywood faria poucos anos após Sedução do Pecado) no muito pouco que apresenta dos trópicos. Filme mais antigo do realizador a sobreviver. A versão original aparentemente tinha 15 minutos a mais. Bavaria Films/Gainsborough Pictures/Emelka. 60 minutos.

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